Sexta-feira, 17 Maio

«À perdre la raison» (Os Nossos Filhos) por Carla Calheiros

Começo por dizer que Os nossos filhos é inspirado numa história verdadeira e, como tal, o realizador não se coibiu de começar a obra com um pulo ao final, talvez até com o intuito de o amenizar. Na verdade, e para além de me parecer algo desnecessário, essa opção acaba por revelar muito sobre o que veremos dai em diante.
 
O filme segue Murielle e Mounir, um casal apaixonado que rapidamente faz planos de casamento. Sem grandes posses financeiras, Mounir propõe que vivam com o médico André Pinget, um suposto mecenas da família de Mounir que cuidou dele desde criança.   
 
A partir daqui, a vida de Murrielle passa a ser regida por André, cujas ações – embora altruístas para quem possa ver de fora – são opressivas e controladoras no seio familiar. Aliás, Murrielle acaba rapidamente por perceber que o médico tem sobre o marido uma influência que ela dificilmente conseguirá ter, e embarca numa escalada descendente psicologicamente até ao ato final.
 
Inteligentemente, são deixadas no ar duas questões fulcrais que são trazidas à baila na mesma ocasião, o casamento de Murrielle e Mounir. A primeira é o carácter da relação dele com o médico, a segunda o fato de Mounir puder ter casado apenas para conseguir a cidadania belga, dado que é marroquino. Estas dúvidas, deixadas em aberto para o espetador acabam por ficar igualmente em aberto para Murrielle.
 
Émilie Dequenne é o maior destaque do filme como Murrielle, um mulher que ao longo do filme se vai transformando e caindo numa escalada descendente da qual não terá volta. O desempenho de Dequenne, revelada em 1999 em Rosetta, acabou por não passar despercebido no Festival de Cannes onde recebeu o prémio de Melhor Atriz na Categoria “Un Certain Regard”. Ao seu lado, no papel de Mounir, está Tahar Rahim, ator em ascensão após ter brilhado em Um profeta. Este filme acabaria por vencer igualmente quatro prémios Magritte, que premiam o melhor do cinema belga, entre eles: Melhor Filme, Realizador e Atriz para Dequenne.
 
Com uma trajetória dramática subtil, mas mesmo assim forte e muito eficaz nos seus propósitos, “Os nossos filhos” vive sobretudo da construção que Émilie Dequenne faz de Murrielle e do apego que o público pode sentir por ela, embora todos nos questionemos porque não saiu ela dali… A espaços o filme perde algum fulgor, mas consegue manter o interesse até final, mesmo que já o saibamos desde o início.
 
O melhor: Émilie Dequenne
O pior: A revelação inicial e ir perdendo algum fulgor.


Carla Calheiros

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