Sexta-feira, 17 Maio

Firebrand: o odor putrefato do fim

O sugestivo odor da perna putrefata de Henrique VIII contamina completamente a atmosfera de “Firebrand”, uma aposta de época que se sente sempre crua, vil e cruel, sem necessariamente reiventar os códigos do género.

Catarina Parr, a última esposa do rei Henrique VIII, é o centro das atenções, primeiro agindo de forma contida, afinal o rei é conhecido por assassinar as antigas esposas, mas progressivamente fazendo ouvir a sua voz, até terminar com as veias marcadas no rosto de tanta raiva e opressão que a assola. São as suas maquinações, os seus calculismos silenciosos e o seu jogo de cintura que movem esta mulher, uma reformista com ideias que chocam com a Igreja e a Corte, anunciando a chegada do bastião protestante.

Os seus diálogos, interações e particularmente as cenas de sexo com Henrique VIII são de difícil digestão, e um bom exemplo disso é uma cena da masturbação, ou quando o rei, com as pernas cobertas de ligaduras, depois das larvas servirem de tratamento, salta para cima dela, têm sexo e os seus ruídos são quase tão insuportáveis como o cheiro da perna apodrecida.

É Jude Law, num figurino e caracterização que o torna difícil de identificar à primeira, que assume o papel de Henrique VIII. O britânico, que já por diversas vezes mostrou qualidades dramáticas, entrega-se de corpo e alma a uma performance que certamente está nas melhores da sua carreira. O seu empenho foi tal que ele chegou mesmo a produzir um perfume feito com cheiro de sangue, matéria fecal e suor para interpretar o mazelado por uma infecção Henrique VII. E se nas pernas temos um retrato da maleita que lhe consome o físico, a sua mente é arrastada igualmente para a paranoia, qual virose sempre reforçada pelo responsável da Igreja.

Já Alicia Vikander, esta agarra a sua personagem do início ao fim de forma consistente, exigindo-se dela, acima de tudo, comedimento e moderação numa primeira fase, repulsa direta (e ação) na parte final. O seu destino está inteiramente ligado às suas ideias, facilmente capazes de semear a discórdia dentro do reino, o que a tornam um alvo.

Impecavelmente “sujo” no formalismo técnico dos seus elementos, direção artística, fotografia (da genial Hélène Louvart) e montagem, apenas a banda-sonora orquestral de Dickon Hinchliffe parece e sobrepor-se vezes demais aos eventos. Mas isso é um detalhe num filme que sem brilhar completamente, nos agarra, prende e surpreende pela visceralidade, sem com isso precisar ser explícito ou excessivamente gráfico.

Pontuação Geral

Jorge Pereira

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Cru, vil e cruel, sem necessariamente reiventar códigos dos filmes de época Firebrand: o odor putrefato do fim