Segunda-feira, 6 Maio

Passion Simple: o filme mais sensual do ano?

Sou feminista, mas sei que as feministas não vão ficar muito contentes com o meu filme”, disse-nos a realizadora franco-libanesa Danielle Arbid em San Sebastián sobre o seu mais recente projeto, “Passion Simple”, baseado na autoficção que Annie Ernaux lançou nos anos 90 (“Uma Paixão Simples”, em Portugal) e que foi um enorme sucesso em França.

Com uma sensualidade e carnalidade rara nos tempos que correm e uma estética que vai buscar muito ao cinema erótico dos anos 70 e 90, “Passion Simple” – que fez parte da seleção do Festival de Cannes 2020, esteve em Toronto e San Sebastián –  tem tudo para se tornar um fenómeno de audiência como 365 Dni ou até As Cinquenta Sombras de Grey. E sim, esta é uma história de paixão, obsessão e dependência de uma professora universitária e um diplomata russo.

Relação adultera movida a sexo, com os corpos de Laetitia Dosch e Sergei Polunin a entrelaçarem-se numa relação tão tóxica como sensual, Arbid mostra nudez frontal feminina e masculina sem qualquer diferença, entregando ainda várias cenas de sexo sensualmente trabalhadas. “Foi uma proposta de um produtor, que queria que eu filmasse um filme sensual. Perguntou-me que livro eu queria adaptar, para comprar os direitos, e assim foi”, explicou-nos a realizadora, acrescentando que inicialmente achava que estávamos perante uma obra inadaptável: “Não existia uma história. É apenas um testemunho extremamente preciso de uma paixão. Como se fosse um relatório empresarial. Foi isso que achei magnífico, pois toda a gente se revê com o que ela conta. É uma história de amor, mas também de sexo dentro da tradição da literatura francesa clássica e anglo-saxónica”.

Sexo e mais sexo

Grande parte da primeira metade do filme assistimos a tórridas cenas de sexo entre Laetitia Dosch e Sergei Polunin, mas Airbid frisa que essas sequências eram essenciais e que estavam ligadas à paixão: “Muitas vezes o sexo torna-se algo que se dissocia da paixão, como no trabalho de Sade, mas eu não queria nada disso. Tinham de estar ligados. Para mim, sexo e paixão são a mesma coisa. ”. 

Admitindo que achou o relato biográfico de Annie Ernaux um ato de “coragem”, pela forma como a autora relatou atos humilhantes e de “perda de dignidade“, Airbid diz que este filme é igualmente “uma homenagem” à autora.

Laetitia Dosch e Sergei Polunin

Coragem também é algo que se aplica aos atores deste “Passion Simple”, que literalmente entregam o seu corpo e alma à produção.

Orgulhoso por ter aqui o seu primeiro grande papel de protagonista fora do registo de filmes com dança, Sergei Polunin (Corvo Branco) – mais conhecido no mundo do bailado – conta-nos que entrou no projeto pela “paixão que Danielle Arbid” demonstrou pela história, e que espera que este filme lhe abra a porta para muitos mais: ”Na dança, eu estava num determinado nível em que completei um percurso. No cinema, ninguém me conhece e é bom não ser ninguém. Fisicamente consigo fazer tudo, pois como bailarino tenho o dom do movimento corporal. Uma luta, uma cena de sexo, são movimentos corporais, e sou muito bom nisso. As palavras sim, são verdadeiros desafios e algo de novo para mim.

Sobre a interacção com Laetitia Dosch, Polunin explica-nos que a primeira cena que filmaram foi uma de sexo violento em cima de uma mesa, por isso rapidamente entrou no espírito das filmagens: “Foi uma cena dura. A minha personagem estava alcoolizada, por isso tive de beber uns cognacs para entrar no espírito. A Laetitia é muito natural, muito boa como atriz. E tem muito humor, o que facilitou as filmagens. Curiosamente, no dia seguinte foi pior. Há um momento em que ela está deitada na cama e eu tenho de me despir com aquelas luzes e câmaras a apontarem para mim. É assustador e muito mais desafiante que qualquer uma das cenas de sexo mais intenso. Era uma coisa simples, mas emocionalmente mais complicada”.

Já Dosch explicou ao C7nema que trabalhar com Daniele Airbid foi algo de extremamente preciso, pois a realizadora cria um “quadro cinematográfico” coloca os atores lá dentro e deixa-os atuarem: “Para mim foi muito agradável trabalhar com ela, pois no trabalho de ator – neste caso específico- tive de me rodear de sentimentos que nos fazem mal. Não é como numa comédia, como no Jeune Femme”.

E seria possível um homem realizar um filme assim nos dias de hoje, onde se fala cada vez mais no “male gaze”? Dosch crê que não, mas acrescenta que também já muitos homens filmaram estes projetos no passado. “Agora, a notícia é o facto de ser uma mulher a fazer um filme assim. Sim, é controverso ter uma mulher livre que é a amante e se deixa cair nesta situação. Tudo tem a ver com as nossas expectativas em relação ao cinema. Esperamos que o cinema nos dê exemplos de vida? De pessoas a seguir? De heróis? Eu não penso assim, embora acredite que ela é uma heroína e corajosa por viver aquela história. Se ver um filme que não é moralista,  que coloca questões e incomoda é um “female gaze”, então parece-me bem“.

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