Segunda-feira, 6 Maio

Lucrecia Martel detalha o que falhou para realizar “Black Widow”

Martel voltou a falar sobre o que falhou para realizar Black Widow

Há uns meses atrás, numa masterclass no Jio MAMI Mumbai Film Festival, a cineasta argentina Lucrecia Martel –  realizadora de O Pântano; A Rapariga Santa; A Mulher sem Cabeça; e Zama – falou do interesse da Marvel em que realizasse Black Widow (Viúva Negra), tendo mesmo tido uma reunião com os estúdios sobre essa hipótese.

Recebi um e-mail da Marvel para uma reunião (…) Fui à reunião e realmente assinei uma coisa a dizer que não posso falar sobre ela. A Marvel e outras produtoras estão a tentar envolver mais cineastas femininas … O que me disseram na reunião foi: ‘precisamos de uma cineasta porque precisamos de alguém que esteja mais preocupado com o desenvolvimento da personagem interpretada por Scarlett Johansson (…) E também disseram-me: ‘Não se preocupe com as cenas de ação, vamos tratar disso’. Eu pensei, bem, adoraria conhecer Scarlett Johansson, mas também adoraria fazer as sequências de ação.

Martel viu naquela reacção da Marvel, uma atitude sexista: “As empresas estão interessadas em cineastas, mas elas ainda acham que as cenas de ação são para os realizadores do sexo masculino. A primeira coisa que perguntei foi se poderiam mudar os efeitos especiais, porque haviam tantos lasers e acho-os horríveis. Além disso, as bandas sonoras dos filmes da Marvel são bastante más. Talvez nós discordemos sobre isso, mas é realmente difícil assistir a um filme da Marvel. É doloroso para os ouvidos ver filmes da Marvel“. Como a Marvel aparentemente não estava interessada na abordagem de Martel ao filme, a cineasta seguiu noutra direção, os estúdios também, sendo Cate Shortland (de Lore e Berlin Syndrome) contratada para a realização desse filme.

Ora, esta semana, em Buenos Aires, Martel voltou a falar sobre o assunto e mostrou-se muito irónica e conhecedora do que se passa no Universo Marvel. Numa conversa organizada pelo diretor, ator e argumentista Sebastián De Caro, no Espaço INCAA Cine Gaumont, Martel revelou as suas ideias para o filme da Viúva Negra que não foram bem recebidas pelos produtores da Marvel. 



Segundo Martel, ela estava muito interessada em fazer o filme e em trabalhar com Scarlett Johansson, mas procurava fazer algo diferente dos outros filmes de super-heróis até então. Ela levou para a famosa reunião as suas ideias, desenhos e até foi vestida de negro, mas os seus conceitos de protagonista e antagonista eram muito drásticos para a Marvel. Por exemplo, Martel sugeriu que o filme não tivesse um “vilão”, algo que não caiu bem aos executivos da Marvel: “Começaram a lamentar-se“, disse a cineasta, perante uma sala lotada, relata o Via Salta.

Outro elemento importante, e que contraria muito o cinema de super-heróis e comercial em geral, é que Martel não valoriza nem centraliza o poder de um filme no seu argumento. Já no ano passado, numa conversa com o C7nema, Martel atacava as séries de TV atuais por esta se agarrarem demasiado ao poder do argumento: “O meu problema é o facto delas [séries]] se concentrarem exclusivamente no argumento, o que para mim é o arcaico da narrativa, essa subjugação pelo argumento.” Agora, Martel foi mais longe nas afirmações: “Cada vez sou mais contra o argumento. O cinema que concebo é uma experiência. O argumento é uma ferramenta de domesticação, é um sistema narrativo hegemónico e, como tal, é imperativo atacá-lo”.



Finalmente, e para rematar, Martel ainda brincou com o facto de estar a falar de coisas que supostamente não poderia falar. Com bastante ironia, Martel lançou: “Que vão fazer, enviar-me o Homem-Aranha?“.  

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