Martel voltou a falar sobre o que falhou para realizar Black Widow
Há uns meses atrás, numa masterclass no Jio MAMI Mumbai Film Festival, a cineasta argentina Lucrecia Martel – realizadora de O Pântano; A Rapariga Santa; A Mulher sem Cabeça; e Zama – falou do interesse da Marvel em que realizasse Black Widow (Viúva Negra), tendo mesmo tido uma reunião com os estúdios sobre essa hipótese.
“Recebi um e-mail da Marvel para uma reunião (…) Fui à reunião e realmente assinei uma coisa a dizer que não posso falar sobre ela. A Marvel e outras produtoras estão a tentar envolver mais cineastas femininas … O que me disseram na reunião foi: ‘precisamos de uma cineasta porque precisamos de alguém que esteja mais preocupado com o desenvolvimento da personagem interpretada por Scarlett Johansson (…) E também disseram-me: ‘Não se preocupe com as cenas de ação, vamos tratar disso’. Eu pensei, bem, adoraria conhecer Scarlett Johansson, mas também adoraria fazer as sequências de ação. “
Martel viu naquela reacção da Marvel, uma atitude sexista: “As empresas estão interessadas em cineastas, mas elas ainda acham que as cenas de ação são para os realizadores do sexo masculino. A primeira coisa que perguntei foi se poderiam mudar os efeitos especiais, porque haviam tantos lasers e acho-os horríveis. Além disso, as bandas sonoras dos filmes da Marvel são bastante más. Talvez nós discordemos sobre isso, mas é realmente difícil assistir a um filme da Marvel. É doloroso para os ouvidos ver filmes da Marvel“. Como a Marvel aparentemente não estava interessada na abordagem de Martel ao filme, a cineasta seguiu noutra direção, os estúdios também, sendo Cate Shortland (de Lore e Berlin Syndrome) contratada para a realização desse filme.
Ora, esta semana, em Buenos Aires, Martel voltou a falar sobre o assunto e mostrou-se muito irónica e conhecedora do que se passa no Universo Marvel. Numa conversa organizada pelo diretor, ator e argumentista Sebastián De Caro, no Espaço INCAA Cine Gaumont, Martel revelou as suas ideias para o filme da Viúva Negra que não foram bem recebidas pelos produtores da Marvel.
La directora argentina, Lucrecia Martel, rechazó dirigir la película de #BlackWidow, uno de los motivos fue porque no la dejarían encargarse de las escenas de acción, sugiriendo que según Marvel ‘solo los hombres son buenos en eso’. pic.twitter.com/0fSA5x32km
— Tercer Cine (@TercerCineOk) December 13, 2018
Segundo Martel, ela estava muito interessada em fazer o filme e em trabalhar com Scarlett Johansson, mas procurava fazer algo diferente dos outros filmes de super-heróis até então. Ela levou para a famosa reunião as suas ideias, desenhos e até foi vestida de negro, mas os seus conceitos de protagonista e antagonista eram muito drásticos para a Marvel. Por exemplo, Martel sugeriu que o filme não tivesse um “vilão”, algo que não caiu bem aos executivos da Marvel: “Começaram a lamentar-se“, disse a cineasta, perante uma sala lotada, relata o Via Salta.
Outro elemento importante, e que contraria muito o cinema de super-heróis e comercial em geral, é que Martel não valoriza nem centraliza o poder de um filme no seu argumento. Já no ano passado, numa conversa com o C7nema, Martel atacava as séries de TV atuais por esta se agarrarem demasiado ao poder do argumento: “O meu problema é o facto delas [séries]] se concentrarem exclusivamente no argumento, o que para mim é o arcaico da narrativa, essa subjugação pelo argumento.” Agora, Martel foi mais longe nas afirmações: “Cada vez sou mais contra o argumento. O cinema que concebo é uma experiência. O argumento é uma ferramenta de domesticação, é um sistema narrativo hegemónico e, como tal, é imperativo atacá-lo”.
“Cada vez estoy más en contra del argumento, el cine que concibo es una experiencia. El argumento es una herramienta de domesticación, es un sistema narrativo hegemónico y como tal, es imperioso atacarlo.” #LucreciaMartel#SociedadSecretaDelCine
— FANCíNE (@somosfancine) August 17, 2019
Finalmente, e para rematar, Martel ainda brincou com o facto de estar a falar de coisas que supostamente não poderia falar. Com bastante ironia, Martel lançou: “Que vão fazer, enviar-me o Homem-Aranha?“.
Ayer, en Gaumont colmado, @SebaDeCaro dialogó con Lucrecia Martel. Además de tirar títulos todo el tiempo, confirmó lo de Marvel, supuestamente no podía hablar de eso pero dijo “que me van a mandar a El hombre araña?”
La sala explotó.
La trasnoche del cine vivió un momento unico pic.twitter.com/NFErdxYWUU— Celul(@rolandogallego) August 17, 2019