Segunda-feira, 20 Maio

Mario Bava (Retrospectiva) por José Pedro Lopes

 

Na primeira semana do FANTASPORTO 2009, o Pequeno Auditório recebeu uma retrospectiva do realizador MARIO BAVA, o precursor do cinema ‘giallo’ – corrente italiana que misturava o thriller, o terror e o erotismo, do qual se destaca ‘The Man Who Knew Too Much’.

Este “pai” do cinema fantástico europeu começou a sua carreira como director de fotografia de Robert Rosselini, tendo-se apenas estreado na realização com 44 anos, no filme ‘The Day the Sky Exploded’ de 1954 (considerado o primeiro filme de ficção científica italiano).

Como realizador gozou dias de glória com ‘The Girl Who Knew Too Much’ , ‘Twitch of the Death Nerve’ (filme slasher dos anos 60, considerado a grande inspiração dos dois primeiros ‘Friday the 13th’), e ‘Kill Baby Kill’ (a sua incursão no gótico italiano).

Bava acabou por se reformar em 1978 (com 63 anos), desiludido com o fracasso comercial de ‘Lisa and the Devil’ e com o facto de nenhum distribuidora ter pegado em ‘Rabid Dogs’. Sem surpresa, com os anos, ‘Rabid Dog’ até se tornou num clássico de culto do fantástico.
O seu “legado” foi seguido pelo seu filho, Lamberto Bava, nome fortíssimo do terror italiano dos anos 70 e 80 (autor do filme de culto ‘Demons’ e da sua sequela).

No Fantas foi possível ver (deixo os títulos em inglês, para mais fácil compreensão): ‘Black Sunday’, ‘Black Sabbath’, ‘The Girl Who Knew Too Much’, ‘Knives of the Avenger’ e ‘Kill Baby Kill’.

THE GIRL WHO KNEW TOO MUCH

1963, ‘La Ragazza che sapeva troppo’ com John Saxon e Letícia Román,

‘The Girl Who Knew too Much’ é considerado o primeiro filme ‘Giallo’, género italiano que misturava elementos de thriller, terror e erotismo. O filme é uma homenagem declarada de Mario Bava a Alfred Hitchock: pede um título emprestado (de ‘The Man Who Knew too Much’) e a estética também (o preto e branco, cheio de sombras e tensão).

A história gira em torno de uma mulher chamada Nora, de férias em Roma. Após uma confusão no aeroporto envolvendo um traficante de drogas, ela fica em casa da sua tia – que está acamada.

Mas os azares perseguem-na – a sua tia falece nessa mesma noite. Em pânico, Nora sai à rua para ir chamar o médico de família, Dr. Bassi (interpretado por John Saxon, que muitos anos mais tarde seria o pai de Heather Langenkamp em ‘A Nightmare on Elm Street’).

Mas enquanto vagueia pela ‘Piazza de Espanha’ ela testemunha, nas sombras da noite, um homicídio: Um homem esfaqueia até à morte uma mulher. Com tanta emoção numa só noite, Nora desmaia.

Quando acorda, alguém a tinha “regado” com álcool, e a polícia não acredita na sua história, assumindo que ela estava bêbada e tinha adormecido na rua.

Não querendo voltar para casa da tia, Dora fica alojada em casa de Laura Torrani, uma amiga do dr.Bassi, que vive mesmo à frente do local do alegado homicídio. Dora vai levar a cabo a sua própria investigação…

‘The Girl Who Knew too Much’ é, ainda nos dias de hoje, um excelente exemplo do que um filme de suspense deve ser. Bava, com a experiencia de director de fotografia que tinha, realizou um filme muito visual e bem ritmado;com doses equilibradas de comédia e tensão, com um mistério bem imaginado e sem medo de cometer alguns exageros nas suas revelações. Apesar de ser um filme livre de tabus (tem sexo, drogas e morte), tem uma mensagem final anti-drogas que é, nos dias de hoje, hilariante.

É um excelente e descontraído “thriller”, que só peca efectivamente nos actores – o próprio Mario Bava queixara-se na altura que este seu filme ‘teria funcionado melhor com James Stewart e Kim Novak, em vez de vez… já nem me lembro do nome deles’.

Bava era um realizador ambicioso, especialmente na sua vontade de ser um Hithcock italiano, mas a verdade é que os seus filmes, e em especial ‘The Girl Who Knew too Much’, tinham uma personalidade própria – sem necessidade de referências.

KILL BABY KILL

1966, ‘Operazione paura’, com Erika Blanc e Giacommo Stuart

Um conto de horror alucinante sobre uma remota vila atormentada pela morte de uma criança.

Na Roménia do século XIX, um médico é contratado para fazer a autópsia a uma menina contra a vontade de toda a aldeia. O doutor Eswai e Monica, uma enfermeira que acaba de regressar à vila, fazem uma descoberta assustadora – uma moeda está cravada no coração da rapariga.
Dizem as lendas que só assim se poderá morrer em paz.

Bava assina aqui um filme bem diferente dos seus outros ‘thrillers’: um conto de terror sobre um fantasma e uma vila aterrorizada tem elementos que foram revisitados recentemente nesta nova vaga de terror, em filmes como ‘The Others’ de Alejandro Amanabar ou ‘Mirrors’ de Alexandre Aja.

A realização é aqui um prato fortíssimo: com recursos de câmara “limitados” à década de 60, Bava cria alguns momentos visuais verdadeiramente originais e eficazes na criação de terror.

Se ignorarmos um herói irritante (que passa a narrativa toda a repetir-se e a ser mais céptico que Dana Scully), e uma história mal conseguida, temos aqui um filme carregado de boas ideias de realização e grandes sequências de suspense.

Tal como em ‘The Girl Who…’, Bava compensa as suas falhas como director de actores no seu excelente trabalho visual – criando um filme que, volvidos mais de 40 anos, consegue cativar o público de 2009 melhor que muitos filmes de fantasmas contemporâneos.

 
José Pedro Lopes

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