Sábado, 18 Maio

Com “trash metal”, feminismo e “conflito armado”, arranca esta quinta-feira (26/10) o Sonica Ekrano

O festival de cinema no Barreiro avança para a sua terceira edição e decorre entre 26 de outubro e 4 de novembro. As sessões dos 19 filmes, que reúnem documentários focados nas mais diversas expressões da música alternativa, realizam-se em espaços como o Forum Barreiro (cinemas Castello Lopes), Cineclube do Barreiro, StartUp Barreiro, Sala 6 e SDUB “Os Franceses”.

Em entrevista ao C7nema, o diretor do festival, Rui Pedro Dâmaso, fala sobre as novidades deste ano – que incluem uma forte componente germânica, mas debruça-se também sobre outras proveniências e estilos.

Um dos destaques é o documentário sobre os KLF, um dos mais bizarros projetos dos anos 90, mas também filmes como o de abertura, “Sirens”, que reúne, segundo Dâmaso,”‘thrash metal’, feminismo, religião e conflito armado”, ou “A Escuta”, dedicado a um dos grandes nomes da música portuguesa, Carlos Zíngaro.

O festival começou em 2021. Pode-se dizer que já está assegurado como presença cultural no Barreiro? Quais as dificuldades que ainda sente?

Acreditamos que sim, sabendo que está ainda no início de um percurso que se quer longo, coerente e importante. Fazer um festival de cinema, ainda que sobre música, que é o “nosso” meio, é para nós um processo de descoberta – da sua arquitetura interna, das tangentes aos espaços e dinâmicas da cidade, da afirmação do seu tema singular no país, dos públicos já conhecidos e sobretudo dos desconhecidos. Não se trata de dificuldades, mas sim desse (re)conhecimento necessário, ano após ano, do panorama cinematográfico, musical, social, de tudo enfim a que, enquanto programadores, temos a responsabilidade de estar atentos.

Qual a ideia por trás da escolha para o nome do festival em Esperanto?

O nome em Esperanto vem, por um lado, da nossa admiração por essa ideia utópica que é criar uma linguagem universal, de raiz, que não correspondesse de forma alguma ao domínio de um idioma e – consequentemente – de cultura pré-existentes sobre os restantes. Também reforça a ligação que gostamos de fazer à Arte, e aqui, mais especificamente ao Cinema e à Música, como hipóteses de língua franca. Por outro lado, cimenta a nossa ligação ao Barreiro, que foi uma das cidades precursoras da aprendizagem do Esperanto no século XX em Portugal – conforme amplamente documentado.

Como acabou por se construir essa edição muito “germânica” e eletrónica?

O processo de programação resultou num exercício na mesma linha das duas anteriores edições, e respondendo aos desafios diferentes (em relação a, por exemplo, programar um festival de música ao vivo como o OUT.FEST) que vêm com a programação de cinema, mais especificamente de documentário e, ainda mais especificamente de documentário sobre música.

O principal destes desafios é encontrar os filmes que, por um lado, retratam músicas que consideramos sub-expostas, ou histórias pouco contadas e de valor e que, ao mesmo tempo, sejam eles mesmos objetos cinematográficos interessantes e conseguidos – o que nem sempre acontece no mundo dos documentários musicais.

Para além disto, o foco do SONICA até agora tem sido apostar em filmes recentes (com dois ou três anos no máximo), o que logo à partida delimita a programação e enquadra, ou até subordina, os possíveis fios temáticos também àquilo que é a produção mais contemporânea.

Esse é um desafio particularmente interessante, mais do que partir necessariamente de um tema pré-estabelecido. Foi bom, ao longo dos meses de programação, ir percebendo para que direções é que esta produção contemporânea nos estava a levar, a estabelecer relações entre filmes – às vezes mais evidentes outras mais subtis – e deixar que esta perceção em mutação influenciasse depois algumas das nossas escolhas e, no fim, os próprios fios temáticos da programação. 

E é assim que, ao longo deste processo, se foram tecendo esses fios mais “germânicos” e “eletrónicos” sem, no entanto, me deixar de parecer que há inúmeras aberturas a países, cenas e géneros limítrofes e até antagónicos – e que, na verdade, é possível estabelecer as tais relações, no limite, entre quase todos os filmes desta edição.

A história dos KLFs é das coisas mais bizarras da história do “pop”. E, meio que a condizer, o realizador do filme sobre eles fez boa parte da edição do filme na prisão…

Não deixa de fazer sentido no enorme novelo de sem-sentidos e provocações que é precisamente a história dos KLF e do retrato dela feito neste documentário. É interessante que a banda que atingiu maior sucesso comercial entre todos os artistas retratados nesta edição do festival seja também aquela que mais se esforçou por subverter todos os mecanismos do sucesso, da indústria, da popularidade (e vários outros artistas desta edição o tentaram com diferentes graus de sucesso).

A programação é bastante rica em géneros e proveniências. Gostaria de destacar alguns títulos?

É, primeiro que tudo, é importante para nós que esta ideia de diversidade passe realmente. Para além dos KLF, justamente mencionados, destacaria “Sirens“, na sessão de abertura, que reúne “thrash metal”, feminismo, religião e conflito armado, “A Escuta”, filme importante sobre um dos grandes músicos nacionais, Carlos “Zíngaro” e “The Subharchord“, que nos conta uma daquelas histórias de futuros perdidos por entre os interstícios de uma Guerra Fria.

Sublinharia ainda “American Rapstar“, pela crueza bruta e profunda ressonância contemporânea, “Fred Van Hove – An improvised life“, em estreia mundial retratando um dos grandes nomes da emergência do “free jazz” na Europa; e, na sessão de encerramento, “Deep Listening: The story of Pauline Oliveros“, filme há muito aguardado e necessário sobre uma artista a quem muito devemos, mesmo que não o saibamos. 

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