O reconhecimento do cinema europeu contemporâneo no Bergamo Film Meeting vai este ano incidir na obra de Danis Tanović (Bósnia Herzegovina) e Patrice Toye (Bélgica), estando programada uma retrospetiva da carreira de ambos.
Criado em Sarajevo, onde se formou no Conservatório em 1992, Tanović foi forçado a deixar a universidade e os seus estudos de cinema após a eclosão da guerra. Sozinho, filmou a cidade sitiada e logo se tornou um repórter de guerra do exército bósnio, recolhendo uma grande quantidade de imagens documentais. A guerra sérvio-bósnia está no centro do seu filme de estreia, “Terra de Ninguém” (2001), vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, no qual dois soldados de facções opostas se encontram isolados e presos entre as linhas inimigas, expondo nos diálogos o absurdo, a desumanidade e o grotesco da guerra. Seguiu-se “L’enfer” (2005), a segunda parte de uma trilogia escrita por Krzystof Kieślowski e Krzysztof Piesiewicz: uma reinterpretação da Medeia de Eurípides que mergulha num drama familiar.
A história do trauma pós-guerra de um fotojornalista, estrelado por Colin Farrel, Paz Vega e Christopher Lee, “Triage” (2009), foi apresentado em competição no Festival de Cinema de Roma, enquanto no ano seguinte, “Cirkus Columbia” surgia nos Venice Days em Veneza, Tanović regressou à Bósnia com uma comédia surreal e ligeiramente nostálgica, “Epizoda u životu berača željeza” (2013), vencendo com ela o Grande Prémio do Júri no festival de Berlim. Surgiu depois “Tigers” (2014), baseado numa história real ambientada no Paquistão; “Smrt u Sarajevu” (2016), novamente um retrato da sua pátria, inspirado na obra de Bernard-Henri Lévy e inteiramente filmado dentro do microcosmo de um hotel de luxo. Nos últimos anos, o cineasta tem apostado na televisão: em 2019 assinou a série policial “Uspjeh” e, presentemente,está na fase de pós-produção da primeira temporada de uma nova série policial, Kotlina. Pelo meio realizou aina dois filmes: “The Postcard Killings” (2020), um thriller com Jeffrey Dean Morgan como um detetive que procura o assassino da filha; e “Deset u pola” (2021), uma comédia agridoce filmada nas ruas de Sarajevo.
Já Patrice Toye nasceu em Ghent, na Bélgica, e desde 1989 dirigiu inúmeras curtas-metragens, documentários e programas de televisão. A sua primeira longa-metragem, “Rosie“, segue uma menina de treze anos que cria um mundo imaginário para fugir da realidade de uma situação familiar complexa. Selecionado e premiado em vários festivais de cinema (Berlim, Toronto, Salónica e também no Bergamo Film Meeting), “Rosie” foi ainda o candidato belga aos Oscars. Em 2005, Toye dirige o telefilme “Gezocht: Man” e três anos depois “(N) iemand”, onde continua no tema da busca de identidade através da história de Tomas, um jovem de quarenta anos que sonha em mudar de vida. Apresentado na Giornate Degli Autori no Festival de Cinema de Veneza, o filme saiu premiado do Festival de Sundance. No seu terceiro filme para cinema, “Little Black Spiders“, Patricia Toye inspira-se em factos reais na Bélgica nos anos setenta e conta a história de um grupo de meninas grávidas que aguardam o parto numa estrutura católica, longe dos olhos do mundo. O seu último trabalho, “Muidhoud“, adapta o romance homónimo de Inge Schilperoord, abordando o tema da pedofilia. “É meu dever falar sobre questões socialmente importantes e mostrá-los de outro ponto de vista“, declara a realizadora.
Esta seção do certame será ainda enriquecida por uma seleção dos filmes de pós-graduação das escolas de cinema europeias participantes no CILECT – criado em colaboração com a Civica Scuola di Cinema Luchino Visconti de Milão – e pela Europe, Now! Film Industry Meetings (28-29 março).
O Bergamo Film Meeting arranca a sua 40ª edição na sexta-feira, 25 de março, às 21h00, com o CIN’ACUSMONIUM, uma projeção acusmática de uma cópia restaurada em 35mm de “Stalker” (1979) de Andrei Tarkovskij.
