Sexta-feira, 29 Março

Gael García Bernal dá vida ao ‘Museo’ do cinema mexicano

"Museo" chega esta semana aos cinemas nacionais

Protagonista do mais recente filme do cineasta chileno Pablo Larrain, o drama “Ema“, depois de ter trabalhado com ele em “No” (2012) e “Neruda” (2015), o galã mexicano Gael García Bernal, cheio de compromissos com a teledramaturgia em séries para a Amazon (Mozart in the Jungle) e a YoutubeTV, resolveu prestigiar o cinema da sua pátria numa pequena produção sobre um crime que mobilizou a imprensa na sua juventude. Graças à participação do ator de “Amores Perros” (Alejandro G. Iñárritu, 2000), o tal projeto, assinado pelo realizador Alonso Ruizpalacios, saiu do papel com sucesso de público e crítica, mobilizando festivais do mundo inteiro, como o BFI – London Film Festival o os festivais de Toronto, Karlovy Vary e Los Angeles.

É importante voltar para casa, uma vez por outra, e retratar algo que faz parte de nossa identidade”, disse Gael ao C7nema no Festival de Berlim, de onde a longa-metragem saiu com o prémio de Melhor Argumento.

Com a vitória da produção Netflix, Roma, de Alfonso Cuarón, na disputa pelo Leão de Ouro do Festival de Veneza em 2018, e o mediatismo em torno de “Nuestro Tiempo“, de Carlos Reygadas, o México anda em altas nos ecrãs e na cotação de Hollywood, até hoje bem impressionada pelos quase 20 milhões de dólares arrecadados lá por “No se Aceptan Devoluciones” (Eugenio Derbez, 2013). São tempos em que qualquer bom filme vindo do México se transforma num potencial sucesso. Não esquecer que o Oscar 2018 de Realizador foi para um mexicano, Guillermo Del Toro, por The Shape of Water” (A Forma da Água), e o de 2019 para Alfonso Cuáron. Este thriller inspirado num lendário roubo de obras de arte ameríndias foi rodado parcialmente em Acapulco e cheia de citações ao programa humorístico Chaves, um fenómeno nas Américas.

Com um ritmo frenético e uma estrutura de narrativa avessa às cartilhas do heist movie, este filme de Alonso Ruizpalacios é um dos maiores sucessos recentes de Gael como ator.

“Lembro-me de ser ainda bem pequeno quando o roubo de artefactos de nossas antigas civilizações parou o México. Só se falava nisso, porém, mal tinha idade para entender o que a palavra museu queria dizer”, disse o ator de Babel (Alejandro G. Iñárritu, 2006) na Berlinale.

Além de trazer a melhor interpretação do galã desde seu trabalho como Che Guevara em “Diarios de Motocicleta” (Walter Salles, 2004), a longa-metragem surpreende pelo teor de excentricidade com que pinta o vazio existencial da jovem classe média mexicana dos anos ‘80. Há até uma divertida menção à vila do Chaves, o comediante mais famoso do México na TV, numa cena em que Gael usa uma camiseta com a cara do mais ilustre inquilino do Sr. Barriga para embrulhar um artefacto raro.

“Nunca sei explicar o método em que atuo, sobretudo para dar complexidade a um personagem desses de ‘Museo’, mas sei que, quando Alonso me procurou, há algum tempo, fui engolido por essa história, que fala sobre vazios distintos”, disse o ator.

Em Museo, ele aposta num fino registo de humor ao encarnar Juan, funcionário do Museu Nacional de Antropologia da Cidade do México. Na noite de Natal de 1985, Juan tem a ideia do roubo, arrastando o amigo Wilson (Leonardo Ortizgris) consigo. “Apesar do nosso empenho em valorizar os factos reais, a família dos ladrões não quis se envolver em nada com o filme, o que foi ótimo”, disse Ruizpalacios, cineasta de 40 anos revelado em 2014 com o elogiado “Güeros“. “Na prática da filmagem, não ter o cerceamento da personagens reais deu-nos liberdade para criar situações”.

Convidado para viver Zorro na televisão, Gael entra em “Museo” também nos créditos de produção, que tomou o Festival de Berlim de assalto. O dispositivo narrativo armado por Ruizpalacios dribla as expetativas do público a cada cena, criando múltiplas camadas, nas quais se destaca ainda o aclamado ator chileno Alfredo Castro (Tony Manero). Ele desempenha o pai de Gael na enredo. A sequência do roubo é bem-humorada e esbanja domínio de câmara.

Há, ainda, em “Museo“, um debate sobre a inquietações de classes sociais. Existe uma discussão sobre o que vale mais para a cobertura da imprensa para um caso ligado ao património: uma saborosa mentira ou uma frustrante verdade. E há uma celebração da cultura mexicana. “O que menos importa ao filme é o roubo, a intriga, e sim os dilemas internos dos envolvidos, que estão num tempo de maturidade afetiva”, disse Ruizpalacios ao C7nema. “Eu nasci na classe média do México, filho de um médico, numa casa com conforto. Não saberia como falar das favelas do meu país, mas tenho interesse em falar do mundo que conheço. O México é uma nação muito complexa e quero celebrá-la com este filme”.

(artigo originalmente escrito a 26 de outubro de 2018)

Notícias