Domingo, 19 Maio

O Triângulo da Tristeza: A bissetriz da exclusão

Nascido em Styrsö, Gotemburgo, na Suécia, há 48 anos, Ruben Östlund iniciou sua carreira no vídeo, em 1997, e só atraiu alguma atenção entre os realizadores europeus em 2008, com Involuntary”, fazendo uma panorâmica sobre imposturas morais, concorrendo em Cannes, ao Prix Un Certain Regard. Foi nessa mesma montra que ele se destacou ainda mais, em 2014, com Força Maior”, alquebrando tabus da masculinidade e da família, refilmada nos EUA com Julia Louis-Dreyfus e Will Ferrell. Depois disso, o cineasta politizou-se até aos limites da provocação no seu filme seguinte, “The Square”, que arrancou de um júri presidido por Pedro Almodóvar a Palma de Ouro, em 2017. No ano seguinte, veio a tão sonhada indicação à estatueta da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.

Pouco depois, ele decidiu fazer o que definia como uma comédia. Uma experiência que chega agora aos cinemas de Portugal, chancelado com mais uma Palma, a segunda em 25 anos de carreira, dada a Triangle of Sadness”.

Empenhei-me em fazer uma montanha-russa para adultos, retratando pessoas prepotentes que tentam parecer inteligentes, mas que só revelam o quanto o mundo alimenta injustiças e exclusões”, disse o cineasta ao C7nema, em Cannes.

Woody Harrelson comanda a tripulação da comédia política do cineasta sueco

Existe um boato de que “Triangle of Sadness” foi recusado pelo comité de seleção de Thierry Frémaux em 2021, levando o realizador a gastar mais um ano de trabalho na montagem. Cannes não confirma essa hipótese, mas a indústria audiovisual sueca atesta a veracidade. Verdade ou não, Östlund executa uma comédia com ácido, ambientada em alto mar. Irregular na forma, mas nada regulável na abrasividade, ao despejar as contradições das classes sociais em países endinheirados, o novo filme do cineasta é um feroz estudo sobre a soberba dos que detêm as riquezas do planeta, construído a partir de uma ágil estrutura de montagem. “Acredito que o cinema europeu, através de filmes de Aki Kaurismäki e Roy Andersson, vem mostrando que a ironia é uma chave para abrir um debate sobre a manipulação. A ironia revela as entrelinhas, com graça”, disse Östlund.

No filme, a Rússia de Putin é transformada num saco de pancada nos diálogos, representada na figura de um milionário eslavo. Woody Harrelson brilha no papel do capitão beberrão de um cruzeiro que vai naufragar, assim como a Europa espelhada no guião. “Sou anarquista. Já fiz muitas comédias consideradas superficiais, mas gosto de narrativas viscerais. E o Ruben ofereceu-me uma. Através dela podemos falar do lugar em que o mundo está hoje. É absurdo que um superpoder político invada outras nações“, disse Harrelson em Cannes. “É algo que aconteceu no Viet… desculpe, no Afeg…  desculpe, na Ucrânia. E por aí vai”.

Além da Palma, “Triangle of Sadness” ainda recebeu o prémio anual da CST – Commission Supérieure Technique de l’Image et du Son para sua engenharia sonora. A partir de agora, Östlund junta-se a um grupo seleto de realizadores com duas Palmas. São dez ao todo. Ao lado dele estão: Ken Loach, Francis Ford Coppola, Shoei Imamura, Bille August, Emir Kusturica, os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, Michael Haneke e Alf Sjöberg.

Não acredito num cinema sobre o snobismo que não trave conexões. Por isso, aposto nos risos, mesmo que isso choque com um mundo amargo”, disse Östlund em Cannes, antes de anunciar que o seu próximo filme vai-se passar num avião. “É a meta agora. Testar ambientes, testar situações, testar limites”.

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