Sexta-feira, 17 Maio

Ali Asgari:  “O grande problema no Irão não é financiar os filmes, é a censura”

 Já com várias curta-metragens no currículo, algumas das quais exibidas em Portugal no Curtas Vila do Conde e no Fest em Espinho, Ali Asgari apresentou em Berlim na secção Panorama a sua primeira longa-metragem, “Ta Farda – Until Tomorrow”, filme que acompanha de perto Fereshteh, uma jovem mãe solteira que trabalha numa gráfica em Teerão e que é confrontada com a iminente chegada dos pais – que não fazem ideia que têm um neto.

Para evitar confrontações, ela parte em busca de alguém que tome conta do filho ilegítimo por uma noite, mas o que parece ser uma tarefa fácil para a sociedade ocidental, revela-se um pesadelo no Irão. Falámos com Ali Asgari sobre o seu filme e as dificuldade em abordar certas temáticas no cinema iraniano.

Como nasceu a ideia deste “Ta Farda”? 

A história chegou até mim como uma imagem de duas mulheres a falarem numa rua. Não tinha ideia do que falava , mas essa imagem na minha cabeça foi a principal inspiração. Mais tarde, falei com uma amiga, a qual me disse que gostaria de ter um bebé, mas não podia pois os pais eram muito tradicionais e o ter um filho envolveria sempre casar. Pensei que esta seria uma história interessante para levar ao cinema e falar de uma nova geração que pensa nestas coisas. Na minha geração, isso seria impensável.

Ali Asgari

E como foi a interação com as duas atrizes que caminham nas ruas enquanto procuram alguém que tome conta do bebé?

Neste filme, enquanto escrevia o guião estava sempre a pensar na atriz principal, que é minha sobrinha. Pensava nela e escrevi muito sobre si. Quando filmamos, seguimos o texto e tudo o que foi planeado antes. Porém, dou sempre aos atores a possibilidade de retrabalharem as coisas. Faço muitos ensaios antes de filmar, mas quando filmo permito até algumas mudanças nas locações. Gosto desta forma interativa de trabalhar com os atores.

Neste filme, aquilo que se tornou mais importante foi a escolha da criança, o bebé que vemos em cena. Acabámos por optar em usar um boneco, pois logo no primeiro dia de filmagens percebi que com um bebé real as coisas não funcionavam.

Os temas sociais invadem o cinema iraniano, mas ultimamente temos assistido a alguns filmes com temáticas um pouco mais problemáticas que não estávamos habituados a ver dessas paragens. Por exemplo, temos o “Just 6.5”, que pega na questão das drogas. É impressão minha ou há uma maior abertura no país para filmar temas mais sensíveis?

Não estamos mais abertos, o que existe é uma maior produção. Nos últimos anos, temos feito cerca de 200 filmes anualmente, mas as regras e regulamentos mantêm-se iguais. Não podes fazer filmes sobre aquilo que quiseres. Existem limitações.

O meu filme, por exemplo, não tem dedo governamental. Recentemente decorreu o mais importante festival de cinema no Irão, em Fajr, e eles rejeitaram exibir o filme.

Há uns anos falei com a Samira Makhmalbaf e ela disse-me que a censura temática obrigava-a a ser mais criativa na forma de falar dos temas de uma forma mais encapotada, menos explícita. Acha que é assim, que a censura leva a uma necessidade de maior criatividade por parte de quem escreve um guião?

Talvez no imediato sim, mas no longo prazo não. Veja, quando estamos a escrever estamos sempre num processo de autocensura, perdendo assim imensa coisa. A partir do momento que não podemos filmar o que queremos, não é bom. No Irão, não podemos filmar sexo, ou fazer um filme sobre política, religião, ou abordar temas queer. Não vês isso na Europa ou EUA.

Ta Farda – Until Tomorrow

Mas temos filmes como o “Melbourne”, sobre emigração, ou até o seu, quando vemos o escritório daquele homem fechado pelas autoridades, que têm comentários políticos, ainda que não de uma forma nunca explícita.

Sim, claro que a maioria dos filmes iranianos têm uma mensagem política no seu pano de fundo, mas nunca podem ser muito claros sobre isso. Se o forem, são censurados. Os filmes do Jafar Panahi, por exemplo, são muito políticos e têm críticas à sociedade iraniana, mas pessoas como eu não podem fazer isso. Por isso, o que a Samira disse é que tentamos outras maneiras de fazer esses comentários sem ser óbvios. A maioria dos filmes iranianos estão carregados de subtilezas para falar de grandes temas.

Sendo um cineasta independente, é fácil conseguir fazer um filme no Irão?

Existem algumas instituições que permitem o financiamento de forma normal, mas apoiam mais os filmes cujos temas agradam ao governo. No Irão, o grande problema não é o financiamento, até porque existem sempre investidores privados, é a censura. Se quiseres fazer um filme que é diferente do habitual no Irão, esses investidores, e até os atores, têm medo de se envolver. Por isso, muitas vezes os atores pedem aos argumentistas e realizadores para mudarem as histórias e personagens.

E acha que eventualmente o seu filme vai ser exibido no Irão, ou não?

Existem vários níveis de permissões no Irão. Tivemos a licença para o filmar, falta agora a que permite a sua exibição. Nessa permissão de filmar, tivemos de fazer algumas mudanças, mas conseguimos, também com a ajuda da minha produtora, que é uma atriz muito famosa no país. Quanto à licença de exibição, ainda não tivemos qualquer bom sinal sobre isso.

E no futuro, vai continuar a tocar neste tipo de temas? Já tem um novo projeto?

O meu próximo filme será uma curta-metragem, filmada na Holanda. Depois avanço para uma nova longa-metragem.

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