Domingo, 19 Maio

Piccolo Corpo: fé em “tempos de magia”

Estreado na Semana da Crítica no Festival de Cannes, “Piccolo Corpo” de Laura Samani concorre agora à Pirâmide de Ouro no Festival do Cairo, certame que decorre até ao próximo dia 5 com uma das competições internacionais mais fortes do seu passado recente. 

Passado no início de 1900, o filme observa a fé e a magia a partir da história de Ágata, uma mulher cujo filho nasceu morto. Na tradição católica, uma criança que não respirou uma vez não pode ser batizada e a sua alma será condenada ao Limbo, sem nome e sem paz. É então que Ágata ouve falar de um lugar nas montanhas, onde as crianças podem ser trazidas de volta à vida. Ela inicia aí um trajeto tortuoso que a vai transformar para sempre.

Enquanto estudava o assunto e depois a filmar, questionava sempre se estava a falar de religião ou magia.“, disse Laura Samani ao C7nema em Cannes.  “Como tu apercebes o mundo e que energia te atrai para certas coisas, especialmente coisas definidas como milagres. O não controlar o significado das coisas. A maior diferença entre religião e magia, ou fé, é que, quando lidas com magia, o que pedes vai acontecer. Na religião, tu pedes, desejas e esperas. Este filme é mais sobre magia que religião. Mais sobre fé. (…) Descobri que estas histórias eram muito comuns a partir de 1700, mas só são conhecidas por teólogos e historiadores. Em França há 200 relatos destes.“

A história particular que inspirou Lara foi a de um homem que fez esse caminho, mas ela decidiu mudar o género da protagonista desse calvário, além de centrar a ação no início do século XX: “Normalmente eram os homens que faziam esta jornada, pelos perigos que existiam no caminho, mas também porque as mulheres estavam normalmente fisicamente incapazes de fazer o trajeto depois dos partos dramáticos que tiveram. Pensei então: e se fosse a mãe a fazer esta jornada? A partir do momento que decidi que era a Agata que fazia essa jornada, a teia do enredo montou-se (…) E queria que o filme se passasse em algum momento antes da 1ª Guerra Mundial, no século XX, quando tudo era ainda possível, como a magia. Porém, podemos sentir que o silêncio está quase a chegar. (…) Se a ação do filme fosse agora, perderia força.“.

Fã de David Lynch e dos irmãos Taviani, especialmente dos primeiros filmes da dupla, Laura não os vê como influências diretas no seu trabalho e diz-nos com confiança que as suas ambições artísticas vão além da 7ª arte, seja através do teatro, onde já tem um percurso considerável, seja através de trabalhos de“Landscape art”. “Ultimamente não vejo muito os seus filmes, mas o de Pablo Larraín”, diz-nos, explicando como traduziu essa questão da magia e fé, em oposição à religião, na estética do seu filme e na criação de uma atmosfera muito singular. “Trabalhei com um diretor de fotografia [Mitja Licen] com o qual tenho uma visão muito diferente das coisas no que toca à estética. (…) Filmamos em continuidade e com visão em coisas de Andrea Arnold a László Némes. Parámos três vezes as filmagens por causa da pandemia, mas conseguimos”.  

Recordamos que “Piccolo Corpo” foi o vencedor da última Festa do Cinema Italiano em Portugal.

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