“Há cinquenta anos, um editor do Los Angeles Times teve conhecimento de um rumor perigoso, divulgado pelo FBI ao jornal. O Times publicou a história sem a verificar, e a vida de uma famosa jovem atriz foi destruída.”
Assim começa um artigo do Los Angeles Times, publicado no passado dia 7 de junho, domingo, o qual serve como reconhecimento tardio de como o jornal contribuiu para aniquilar a carreira de Jean Seberg, uma atriz norte-americana imortalizada como ícone da Nouvelle Vague logo após a atuação no filme de Jean-Luc Godard, O Acossado (1960).
A intenção do FBI em divulgar a história falsa era clara: Seberg fazia doações monetárias avultadas ao movimento Panteras Negras e era necessário destruir a sua reputação. O programa secreto da agência norte-americana, COINTELPRO, foi criado por J. Edgar Hoover para “assediar, intimidar, difamar, desacreditar e neutralizar” qualquer figura que representasse um perigo para a sociedade americana.
Já com J. Edgar morto, e logo após o suicídio de Jean Seberg em Paris, em 1979, o FBI reconheceu o seu papel: “Os dias em que o FBI usava informações depreciativas para combater defensores de causas impopulares já passaram há muito tempo. Estamos fora desse tipo de negócios para sempre. ”
A “Fofoca”
Seberg foi uma das muitas personalidades de Hollywood que apoiou monetariamente os Panteras Negras e especulou-se que pode ter tido um relacionamento extra-conjugal com um de seus membros, Raymond Hewitt. Quando engravidou, um telegrama foi enviado do escritório do FBI em Los Angeles para J. Edgar Hoover, solicitando permissão para “divulgar a gravidez de Jean Seberg, atriz conhecida [nome apagado] do Partido dos Panteras Negras [BPP], aos colunistas de fofocas de Hollywood“. Esse telegrama dizia ainda que isso poderia “causar vergonha e servir para baixar o valor da imagem” da atriz”. A resposta do FBI foi clara: “Jean Seberg é uma contribuinte financeira do BPP e deve ser neutralizada.”
O rumor chegou a um repórter do Times, que a entregou ao editor do Metro, que por sua vez a deu à colunista de coscuvilhices Joyce Haber. A jornalista publicou o artigo a 19 de maio, sem usar nomes, mas com detalhes suficientes para que Seberg fosse facilmente identificada. Uma semana depois, a Newsweek fez uma peça semelhante, mas nomeia mesmo a atriz.
Depressão e morte
Colocada numa lista negra de Hollywood, tal como outra “revolucionária” da época chamada Jane Fonda, Seberg entrou em trabalho de parto prematuro a 23 de agosto de 1970 e deu à luz uma menina com 1,8 kg. A criança morreu dois dias depois e ela realizou o funeral na sua cidade natal no Iowa com o caixão aberto, permitindo aos repórteres ver a pele branca do bebé, desmentindo os rumores. O casal Seberg e Romain Gary processou a Newsweek, mas a vida da atriz nunca mais foi a mesma, mesmo tendo participado em diversos filmes na década de 1970, principalmente em produções italianas ou francesa.
Em 1979, suicidou-se. Dizem as crónicas que o seu corpo ficou em decomposição num carro, numa rua em Paris, durante 10 dias antes que a polícia francesa o descobrisse. Ao seu lado estava um frasco de barbitúricos e uma nota de suicídio.
Numa conferência de imprensa logo após a morte da sua então ex-mulher, Romain Gary foi bem explícito numa conferência de imprensa: “Jean Seberg foi destruída pelo FBI” quando a agência forneceu a “um grande jornal americano” informações imprecisas. Informações essas que conduziram a uma sucessão de desgraças…