Segunda-feira, 20 Maio

Frederick Wiseman no DocLisboa 2008

Frederick Wiseman é um dos documentaristas em destaque do DocLisboa 2008. A par de uma retrospectiva da obra, o realizador americano estará disponível para pequenos debates após as exibições dos seus filmes, e dará na 4ª feira de manhã uma MasterClass aberta ao público para discutir cinema documental. Wiseman é conhecido como o pai do cinema directo, um género documental sem entrevistas, apenas registando as pessoas, práticas, conversas, sem qualquer interacção com o objecto documentado. No limite, procura que uma parede invisível se erga entre a câmara e quem é filmado.

Nesta edição do DocLisboa tive oportunidade de assistir a Juvenil Court. É um documentário de 1973 com 144’ que aborda um tribunal de menores em Memphis revelando um sem número de casos criminais desde roubo, agressão, abuso sexual ou homicídio. As conversas das assistentes sociais com as crianças, os seus pais, as alegações dos advogados de defesa, as suspeitas dos representantes do Ministério Público, são filmadas com uma naturalidade neutral. Mas a personagem central acaba por seu o juiz que procura em cada caso conhecer a fundo cada um dos envolvidos, desejando encontrar a solução mais justa e pedagógica possível. Extraordinário o final: um adolescente cúmplice de um homicídio – conduziu o carro na fuga de um assalto – diz-se inocente por alegadamente ter agido sob ameaça. O juiz e o advogado de defesa estão convencidos da sua culpabilidade. Pretendem enviá-lo para um estabelecimento correccional juvenil por seis meses. Indo a tribunal para provar a inocência, o jovem, com poucas hipóteses de ver a sua teoria vingar, arrisca-se a ser condenado a 20 anos numa cadeia de adultos. O jovem está desesperado com a ideia de ir seis meses para o reformatório. Diz ao juiz: “Mas eu estou inocente! Não consegue colocar-se no meu lugar?”. O Juiz responde: “Acho que tu criaste para ti uma nova versão da realidade. Aos olhos da Justiça, tu és seriamente culpado.” A expressão do Juiz, outrora doce e conciliadora, é agora esfíngica e impenetrável, como um estátua. Representa a Justiça. E acrescenta, “Sei que vais chegar à conclusão que estamos a fazer o melhor para ti. É melhor ires seis meses para o Reformatório do que vinte anos para uma prisão de adultos.”

Meat mostra os meandros da indústria alimentar da carne. Imagens do gado conduzido em prados seccionados a régua e esquadro, as linhas de abate e desmontagem das peças, as máquinas embaladoras das várias partes dos animais para serem distribuídas. O stress do escritório de vendas, as negociações com o mercado retalhista, os economistas que estudam a viabilidade do negócio relacionando oferta, procura, preços das rações e transportes. O filme é de 1976, e se existe mérito em Wiseman neste filme é pela sua premonição e pioneirismo da visão crítica do que entretanto se tornou toda esta indústria alimentar, como se sistematizou e automatizou mais ainda, e, sobretudo, se desumanizou. O final do documentário mostra uma negociação entre o representante dos trabalhadores e o dono da fábrica. Uma interessante discussão entre direitos, deveres e responsabilidades entre trabalhadores e empregadores.

30 anos mais recente, Fast Food Nation, de Richard Linklater, é uma excelente referência neste tema. Cruzando documentário com ficção, este filme de 2006 pode ser considerado como uma homenagem a Meat, de Wiseman. Muito mais violento, muito mais cru, muito mais comercial. Mas três décadas fizeram muito ao mundo, às pessoas e ao cinema.

 
Tiago Figueiredo

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