Sexta-feira, 17 Maio

Charlotte Gainsbourg, o charme (nada) discreto dos 50

Cantora e atriz de créditos firmados, Charlotte Gainsbourg completa os seus 50 anos em 2021 (21 julho), ano em que poderá ser vista na sua melhor forma em 2 filmes.

O primeiro, estreado no Festival de Roterdão, “Suzanna Andler”, é uma adaptação da peça homónima de Marguerite Duras, sobre uma mulher que, agastada com o casamento com o seu marido rico e infiel nos anos 1960, decide ir para uma casa de praia na Riviera Francesa com o seu amante, lidando com a separação pelo telefone, enquanto equaciona igualmente como será a sua vida após essa ruptura.

Um retrato duro de uma burguesa marcada pela dependência que chegou a uma encruzilhada de vida como esposa e mãe e procura uma lufada de ar fresco na sua vida.

Suzanna Andler

Principalmente recordada no cinema pelas suas colaborações com Lars Von Trier, Charlotte Gainsbourg tem uma das interpretações mais fulgurantes do ano e surge em todos os planos do filme de Benoît Jacquot. O filme é, aliás, um “show” Charlotte, conduzido por textos e dilemas feministas de Duras sobe a lente do antigo colaborador da escritora e realizadora, sem nunca falhar na análise de classe e das próprias contradições da personagem central.

A câmara de Benoît Jacquot nunca larga a atriz, acompanhando-a por um palco teatral transformado em cinemático, numa dança compulsiva que realça as suas palavras, expressões, olhares e até pensamentos. Esta mulher deve escolher entre o seu destino convencional como esposa e mãe e a sua liberdade, personificada num jovem amante interpretado por Niels Schneider. O ator acompanha-a nesta jornada, mas tal como a sua personagem na vida desta abastada mas dependente mulher, a sua forma é encadeada pela luz que a interpretação de Charlotte irradia.

Já o segundo filme onde vamos ver Charlotte este ano é o documentário que consagrou à mãe, Jane Birkin. Estreado no Festival de Cannes, “Jane par Charlotte” – numa clara referência ao documentário de 1988 “Jane B. for Agnes V” -, o documentário-ensaio traça um retrato de Jane Birkin longe dos padrões descritivos de uma carreira enorme, focando-se na relação mãe e filha, abalada após a morte de Kate Barry (filha de Birkin e irmã de Charlotte). Paralelamente, a própria Charlotte, em estreia na realização, lança também um olhar à forma como prepara o seu filme, transformando todo o ensaio num objeto meta-fílmico.

Jane par Charlotte

Em “Jane par Charlotte” surpreende o tom, a abordagem e a estética formal do exercício, com Charlotte a apresentar diversas conversas com a mãe em espaços de intimidade, desde uma cama à famosa casa parisiense onde Birkin viveu com Serge Gainsbourg – espaço que agora carrega as memórias de uma relação que ainda surge colada a inúmeros artefactos que se amontoam na famosa casa da Rue de Verneiul e que estão agora a ser pensadas como peças de um museu.

Charlotte, a atriz

Charlotte Gainsbourg e Catherine Deneuve em “Letra e Música

A sua ligação a Lars Von Trier (Anticristo, Melancolia e Ninfomaníaca) marca uma carreira que começou na década de 1980 impulsionada pela mãe. Em 1984, Jane Birkin, filma “O Pirata” de Jacques Doillon e incita a filha, na época com 13 anos, a surgir em “Letra e Música” de Élie Chouraqui. No ano seguinte, Jacques Doillon ofereceu-lhe algumas linhas de texto em “La Tentation d’Isabelle”, que lhe valeram a atenção de Claude Miller, que deu-lhe o papel principal em “L’Effrontée” (1985). Esse desempenho é recompensado com o César de Atriz Mais Promissora em 1986, prosseguindo a jovem a carreira agora ao lado do pai, Serge Gainsbourg, em “Charlotte for Ever” , e depois com Agnès Varda e a mãe, em 1987, em “Jane B. par Agnès V.” .

Em 1988, Claude Miller dá-lhe novamente a luz da ribalta em “A Pequena Ladra”, seguindo-se “Merci la vie” de Bertrand Blier. “Foi aqui que decidi continuar a fazer este trabalho. Antes, escondia-me atrás de pretextos. Queria ter uma boa aparência. E se eles não me oferecessem mais papéis? Isso apavorou-me. Por isso, preferi dizer que não sabia se ia continuar nesta carreira“, disse a atriz ao Le Figaro em junho de 1996.

Curiosamente, foi neste ponto que o seu caminho no cinema pareceu estagnar, mesmo voltando a reencontrar Jacques Doillon em “Amoureuse”. Apesar de em 1999 ganhar um segundo César – melhor atriz secundária – por “La Bûche”, só no novo milénio a sua carreira ganhou a luz que hoje irradia.

Foi na década de 2000 que inicia uma parceria de vida e profissional com Yvan Attal (A Minha Mulher é Actriz). Apesar de presenças em filmes como “21 Gramas” e “A Ciência dos Sonhos“, é em 2009 com “O Anticristo” de Von Trier que ganha outro tipo de estatuto no cinema europeu. Seguiram-se “Melancolia” e “Ninfomaníaca”.

Sobre essa colaboração com o dinamarquês, Charlotte disse: “Sou uma ferramenta. Estou completamente consciente disso e gosto. E gosto de ser um fantoche nas suas mãos. Claro que há nele uma forma de provocação, mas acho que é muito honesto com essa provocação, não é algo que faça como se estivesse a atuar. Acho que tem a ver com desconforto/inquietação em relação a si mesmo, à sua dor. A provocação é uma forma de desabafo. Claro que isso pode ser muito mal gerido, se é que esta é uma boa expressão para o caso, mas é uma forma de ele se expressar. E, à sua maneira, é bastante original“.

Depois dessas experiências, Charlotte trabalhou ainda com cineastas como Benoît Jacquot (3 Corações), Wim Wenders (Tudo Vai Ficar Bem), Arnaud Desplechin (Os Fantasmas de Ismael) e Gaspar Noé (Lux Æterna). Pelo meio, colaborou novamente com Attal (Mon Chien Stupide; Eles Estão em Todo o Lado) e fez incursões menores no cinema norte -americano (O Dia da Independência: Nova Ameaça; O Boneco de Neve).

Aos 50 anos, a atriz será vista brevemente em “The Almond and the Seahorse“ e numa curta-metragem (Fresh Water) assinada por Jim Jarmusch.

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