Cantora e atriz de créditos firmados, Charlotte Gainsbourg completa os seus 50 anos em 2021 (21 julho), ano em que poderá ser vista na sua melhor forma em 2 filmes.
O primeiro, estreado no Festival de Roterdão, “Suzanna Andler”, é uma adaptação da peça homónima de Marguerite Duras, sobre uma mulher que, agastada com o casamento com o seu marido rico e infiel nos anos 1960, decide ir para uma casa de praia na Riviera Francesa com o seu amante, lidando com a separação pelo telefone, enquanto equaciona igualmente como será a sua vida após essa ruptura.
Um retrato duro de uma burguesa marcada pela dependência que chegou a uma encruzilhada de vida como esposa e mãe e procura uma lufada de ar fresco na sua vida.
Principalmente recordada no cinema pelas suas colaborações com Lars Von Trier, Charlotte Gainsbourg tem uma das interpretações mais fulgurantes do ano e surge em todos os planos do filme de Benoît Jacquot. O filme é, aliás, um “show” Charlotte, conduzido por textos e dilemas feministas de Duras sobe a lente do antigo colaborador da escritora e realizadora, sem nunca falhar na análise de classe e das próprias contradições da personagem central.
A câmara de Benoît Jacquot nunca larga a atriz, acompanhando-a por um palco teatral transformado em cinemático, numa dança compulsiva que realça as suas palavras, expressões, olhares e até pensamentos. Esta mulher deve escolher entre o seu destino convencional como esposa e mãe e a sua liberdade, personificada num jovem amante interpretado por Niels Schneider. O ator acompanha-a nesta jornada, mas tal como a sua personagem na vida desta abastada mas dependente mulher, a sua forma é encadeada pela luz que a interpretação de Charlotte irradia.
Já o segundo filme onde vamos ver Charlotte este ano é o documentário que consagrou à mãe, Jane Birkin. Estreado no Festival de Cannes, “Jane par Charlotte” – numa clara referência ao documentário de 1988 “Jane B. for Agnes V” -, o documentário-ensaio traça um retrato de Jane Birkin longe dos padrões descritivos de uma carreira enorme, focando-se na relação mãe e filha, abalada após a morte de Kate Barry (filha de Birkin e irmã de Charlotte). Paralelamente, a própria Charlotte, em estreia na realização, lança também um olhar à forma como prepara o seu filme, transformando todo o ensaio num objeto meta-fílmico.
Em “Jane par Charlotte” surpreende o tom, a abordagem e a estética formal do exercício, com Charlotte a apresentar diversas conversas com a mãe em espaços de intimidade, desde uma cama à famosa casa parisiense onde Birkin viveu com Serge Gainsbourg – espaço que agora carrega as memórias de uma relação que ainda surge colada a inúmeros artefactos que se amontoam na famosa casa da Rue de Verneiul e que estão agora a ser pensadas como peças de um museu.
Charlotte, a atriz
A sua ligação a Lars Von Trier (Anticristo, Melancolia e Ninfomaníaca) marca uma carreira que começou na década de 1980 impulsionada pela mãe. Em 1984, Jane Birkin, filma “O Pirata” de Jacques Doillon e incita a filha, na época com 13 anos, a surgir em “Letra e Música” de Élie Chouraqui. No ano seguinte, Jacques Doillon ofereceu-lhe algumas linhas de texto em “La Tentation d’Isabelle”, que lhe valeram a atenção de Claude Miller, que deu-lhe o papel principal em “L’Effrontée” (1985). Esse desempenho é recompensado com o César de Atriz Mais Promissora em 1986, prosseguindo a jovem a carreira agora ao lado do pai, Serge Gainsbourg, em “Charlotte for Ever” , e depois com Agnès Varda e a mãe, em 1987, em “Jane B. par Agnès V.” .
Em 1988, Claude Miller dá-lhe novamente a luz da ribalta em “A Pequena Ladra”, seguindo-se “Merci la vie” de Bertrand Blier. “Foi aqui que decidi continuar a fazer este trabalho. Antes, escondia-me atrás de pretextos. Queria ter uma boa aparência. E se eles não me oferecessem mais papéis? Isso apavorou-me. Por isso, preferi dizer que não sabia se ia continuar nesta carreira“, disse a atriz ao Le Figaro em junho de 1996.
Curiosamente, foi neste ponto que o seu caminho no cinema pareceu estagnar, mesmo voltando a reencontrar Jacques Doillon em “Amoureuse”. Apesar de em 1999 ganhar um segundo César – melhor atriz secundária – por “La Bûche”, só no novo milénio a sua carreira ganhou a luz que hoje irradia.
Foi na década de 2000 que inicia uma parceria de vida e profissional com Yvan Attal (A Minha Mulher é Actriz). Apesar de presenças em filmes como “21 Gramas” e “A Ciência dos Sonhos“, é em 2009 com “O Anticristo” de Von Trier que ganha outro tipo de estatuto no cinema europeu. Seguiram-se “Melancolia” e “Ninfomaníaca”.
Sobre essa colaboração com o dinamarquês, Charlotte disse: “Sou uma ferramenta. Estou completamente consciente disso e gosto. E gosto de ser um fantoche nas suas mãos. Claro que há nele uma forma de provocação, mas acho que é muito honesto com essa provocação, não é algo que faça como se estivesse a atuar. Acho que tem a ver com desconforto/inquietação em relação a si mesmo, à sua dor. A provocação é uma forma de desabafo. Claro que isso pode ser muito mal gerido, se é que esta é uma boa expressão para o caso, mas é uma forma de ele se expressar. E, à sua maneira, é bastante original“.
Depois dessas experiências, Charlotte trabalhou ainda com cineastas como Benoît Jacquot (3 Corações), Wim Wenders (Tudo Vai Ficar Bem), Arnaud Desplechin (Os Fantasmas de Ismael) e Gaspar Noé (Lux Æterna). Pelo meio, colaborou novamente com Attal (Mon Chien Stupide; Eles Estão em Todo o Lado) e fez incursões menores no cinema norte -americano (O Dia da Independência: Nova Ameaça; O Boneco de Neve).
Aos 50 anos, a atriz será vista brevemente em “The Almond and the Seahorse“ e numa curta-metragem (Fresh Water) assinada por Jim Jarmusch.