Quinta-feira, 9 Maio

Silas Tiny e a Guerra do Biafra

O cineasta são-tomense Silas Tiny, autor de filmes como “Bafatá Filme Clube” (2012) e “O Canto do Ossobó” [onde buscava “As imagens que se perderam, e que nunca mais encontrei” da África lusófona] – acaba de estrear mundialmente no Sheffield Doc/Fest o seu mais recente projeto, “Constelações do Equador” (Equatorial Constellations), objeto documental que lança um olhar sobre a Guerra do Biafra e o papel de São Tomé, muito próximo geograficamente pela via aérea, no conflito que opôs a autoproclamada República do Biafra e a Nigéria.

Vagueando por espaços são-tomenses, onde ainda se encontram espaços que remetem ao conflito, e inevitavelmente ao nosso passado colonial, Tiny vai paulatinamente, entre o registo observacional e o ativo, através de depoimentos, imagens de arquivo e apresentação de factos históricos, registando um conflito iniciado em a 30 de maio de 1967, quando o Coronel Odumegwu Ojukwu declarou unilateralmente a independência do Biafra.

São Tomé, na altura um território colonial, viu-se envolvido indiretamente no conflito devido ao apoio “tímido” de Portugal aos independentistas do Biafra, mas sofreu diretamente as consequências devido à sua proximidade aérea, que levaram a uma vaga de refugiados oriundos daquela região, em particular mulheres e crianças, que viajaram para o território através da ponte aérea humanitária cujo nome era “operação Air Lift“. Crianças essas que essencialmente chegavam ali com elevados índices de desnutrição e “cheias de doenças”, como vários testemunhos emocionados demonstram ao longo deste documentário.

Coprodução entre Portugal e São Tomé, “Constelações do Equador” revela-se um objeto raro sobre um pedaço da História desconhecido por muitos, não apenas pelos portugueses, mas igualmente os são-tomenses, que propositadamente e devido ao sistema colonial onde estavam incluídos apenas acediam a informação selecionada pela entidade colonizadora sobre o conflito – estando ainda limitado aos são-tomenses o acesso a esses espaços destinados a acolher as vítimas do conflito.

E é aqui que Silas, recorrendo a depoimentos de pessoas que visitaram e trabalharam nesses lugares de caráter humanitário, mas também militar, entrega-nos histórias únicas e pedaços ocultos do nosso passado, terreno com muito ainda por desbravar no que toca ao cinema nacional, quer na ficção, quer no documentário.

No uso de imagens do passado, Silas conjuga nelas uma sonoridade tensa e intrusiva que faz lembrar o arranjo que Billy Woodberry deu no inquisitivo “A Story from Africa”, dando assim a este “Constelações do Equador” um tom de permanente questionamento, funcionando desta maneira como uma espécie de início de discussão sobre um tema que merece ainda uma maior intrusão e investigação.

© Divina Comédia

E embora se sinta que por vezes o registo observacional da atualidade serve apenas de transição entre a apresentação de datas, factos históricos (exibidos em texto quase como introdução a novos segmentos), e  testemunhos dolorosos e marcantes, “Constelações do Equador” resulta num exercício bem esquadrinhado por um cineasta que tem aqui provavelmente o seu trabalho mais conseguido até hoje. 

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