Segunda-feira, 20 Maio

Steve McQueen apresenta no Sheffield DocFest os duros relatos do incêndio de New Cross

Após o sucesso de “Small Axe“, a BBC e o aclamado cineasta britânico Steve McQueen, com a ajuda de James Rogan na realização, trabalharam novamente juntos numa série documental denominada “Uprising“, a qual examina três eventos de 1981: em janeiro, o incêndio de New Cross, que matou 13 adolescentes negros; em março, o Dia de Ação do Povo Negro, que viu mais de 20.000 pessoas protestarem nas ruas; e finalmente os distúrbios de Brixton em abril.

O primeiro episódio da série foi exibido ontem, 5 de junho, em estreia mundial no Sheffield DocFest, analisando, através de testemunhos e imagens de arquivo o incêndio a 18 janeiro de 1981, durante uma festa. Há também uma curta viagem ao passado da Grã-Bretanha no que toca ao crescendo de tensão racial, com particular incidência em episódios ocorridos a partir de 1977 e como o governo de Margaret Thatcher, contrário à imigração, e a extrema direita da British National Front (BNF) (em português: Frente Nacional Britânica) contribuíram em muito para o ambiente de terror – que se estendeu às forças policiais largamente -imposto às populações negras, com episódios de racismo violento a multiplicarem-se, especialmente em zonas onde foram construídos verdadeiros guetos sociais.

Alguns destes eventos serviam como pano de fundo para o episódio “Alex Wheatle” de “Small Axe“, e o próprio Wheatle testemunha neste primeiro capítulo de 60 minutos que serve de complemento a outros trabalhos documentais que também estão a ser exibidos no festival numa retrospetiva dedicada à história da cultura negra nas telas britânicas, com os poderosos “Blacks Britannica” (1978) e “Blood Ah Go Run” (1981) à cabeça, além vários trabalhos curtos apresentados em quatro sessões denominadas de “The Great Conflict, Brixton Riots & Other Films”. Além destes, “Uprising” tem também ponto de contacto com a curta experimental “Jus Soli” (2015), também presente no evento.

E é impossível não nos lembrarmos de “Lovers Rock” de McQueen, também da colectânea “Small Axe” neste “Uprising“, já que ao explicar o incêndio somos também levados à festa que estava a decorrer, com a força e identidade musical a ser mencionada e explicada por alguns participantes que escaparam à morte e testemunham aqui as suas duras lembranças.

Ouvimos ainda fontes policiais e bombeiros que estiveram no local, dando um excelente panorama do incidente, numa viagem entre o antes, durante e depois. “Acho que era importante mostrar o que estava a acontecer antes do incêndio, o mapa político, depois o incêndio, no qual nos focamos, e a seguir abordar o que seguiu”, disse McQueen numa sessão de perguntas e respostas no festival. “Para mim e para o James [Rogan] o projeto sempre esteve pensado em três partes, pois tínhamos de entrar em detalhes. Nunca sabes quando tens a oportunidade de pegar neste tema novamente e para mim esta produção era toda ele sobre os detalhes.Temos que ir pelo material de forma meticulosa para entender os tempos que se viviam e simultaneamente chegar à consideração de onde nos encontramos agora.

Steve McQueen no Sheffield DocFest

O realizador, que questionou quem escreve a história, o que fica dela e o que está escondido e esquecido, adicionou ainda que “muita gente conhece os motins de Brixton“, mas desconhece que eles aconteceram “em reacção ao incêndio de New Cross“. Quanto ao facto de o realizador ter conseguido falar nestes casos agora, McQueen diz que os tempos propiciaram essa mudança e atitude de confrontar o passado, enquanto James acrescentou que não tem dúvidas que a morte de George Floyd e o movimento Black Lives Matter mudaram muito no mundo e em particular levaram à construção de muitos trabalhos documentais como este.

O Sheffield DocFest iniciou as suas exibições no passado dia 4 de junho com “Summer of Soul (…Or When The Revolution Could Not Be Televised)”de Ahmir “Questlove” Thompson. O certame decorre até ao próximo dia 13 de junho.

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