Haverá redenção possível para mediação de um etarra arrependido em face da viúva da vítima que assassinou há dez anos? A resposta acaba por ser servida pelo filme “Maixabel“, da madrilena Icíar Bollaín, conferindo inesperada garra à competição da 69ª edição do festival de San Sebastián ao colocar sem medos o dedo nas feridas por sarar do período da luta armada da ETA. Uma história baseada na realidade (embora com elementos de ficção, como adverte uma legenda no início) de Maixabel Lasa, a viúva do político socialista Juan Mari Jáuregui, executado, em Julho de 2000, com um tiro à queima roupa pelo comando liderado por Ibon Etxezarreta. O filme é também um alvo certeiro na forma como funde o lado documental com o cinema, deixando desarmado o espectador diante de uma torrente de emoções impossíveis de gerir sem verter lágrimas. Em grande parte pela tremenda libertação de energia emotiva por parte da dupla Blanca Portillo, como a viúva Maixabel e, em particular, Luis Tosar, como o etarra Ibon, desde logo inscritos como putativos candidatos aos prémios de interpretação. A par de Urko Olazabal, no papel do arrependido Luis Carrasco que despoleta esta catarse de emoções.

Já a força do guião de Icíar e Isa Campo reside na habilidade de conseguir entrelaçar duas histórias marcadas por um antagonismo radical e cego, ancorado em décadas de ódios cerrados. É, portanto, um filme que não parte de um terreno apaziguado e antes demasiado dividido e aberto à indignação em face desse passado.

A centelha ocorre com uma petição publicada em jornais destinada a promover encontros entre ex-etarras e familiares de vítimas na sequência da declaração de 51 anos de luta armada e 854 mortes por um rio de encapuçados. É na sequência deste gesto que surge com o carrasco do seu marido, num tremendo choque emocional desencadeado pela dupla Portillo  e Tosar.

Um processo que passa pela mediação inicial e pelo interrogatório a Luis Carrasco em que é convidado a responder a algumas questões: “Recordas-te da primeira?” “Sim. Foi num parque. Oito tiros.” “Celebraste o atentado?” “Acho que sim, não me lembro”. Por aqui se percebe o novelo de complexidade que irá ainda lidar com as famílias das vítimas. Ou, mais tarde, com o próprio Ibon, ao confessar o lado de compromisso radical e cego, a maior parte das vezes apenas com a indicação de um alvo a abater. “Sabias que Juan Mari esteva na ETA?”, perguntar-lhe-á Maixabel, quando Ibon decide procurá-la. Camadas de lastro informativo que acabará por dar alguma dignidade ao próprio carrasco. “Prefiro ser a viúva de Juan Mari que a tua mãe”, dirá a vítima Maixabel ao seu carrasco. Ao que este responde: “Eu prefiro ser o Juan Mari que o seu assassino”.

É claro que nada disto nos prepara para a catarse final e o derradeiro encontro e reunião entre a vítima e o vitimário (na expressão original castelhana), percebendo que nada se apaga, mas que pode, finalmente, ser compreendido e sarado.

Pontuação Geral
Paulo Portugal
Jorge Pereira Rosa
maixabel-a-humanizacao-de-um-assassino-da-etaO filme funde o lado documental com o cinema, deixando desarmado o espectador diante de uma torrente de emoções impossíveis de gerir.