Má Sorte no Sexo ou Porno Acidental: Radu Jude assina um dos melhores filmes do ano

Nos cinemas a 9 de setembro

Não há revolução sem revolução sexual”. Assim se ouve em “W.R.: Mysteries of the Organism”, filme de Dušan Makavejev de 1971, a quem Radu Jude presta uma pequena homenagem no início do seu “Bad Luck Banging Or Loony Porn” (Má Sorte no Sexo ou Porno Acidental), sátira à hipocrisia da sociedade e análise à obscenidade através da história de uma professora que depois de fazer vídeos pornográficos com o marido, e de estes irem parar à internet, vê o seu mundo revirar-se, ficando à beira de perder o emprego.

Fonte de risos e reflexões intermináveis, porque mais vale rir do que chorar com esta coleção grotesca de deslealdades morais, “Má Sorte no Sexo ou Porno Acidental” nasceu a partir de discussões do cineasta com um amigo sobre histórias da vida real de professores que começaram a ser despedidos pela exposição de cenas da sua vida conjugal e sexual, totalmente na esfera da vida privada. Além disso, este vencedor do Festival de Berlim, foi filmado no período entre confinamentos. Aliás, no filme a ação decorre já nestes tempos pandémicos e, tirando a cena do vídeo pornográfico, todas as personagens falam, discutem e gritam de máscara no rosto.

Radu Jude

Não sei como é no ocidente, mas sinto que somos muito conservadores no que toca a sexo. Nunca houve uma revolução sexual na Roménia (…) Aqui e em vários países do mundo existiram casos de professores apanhados nestes casos e que geraram muita discussão social. Ainda recentemente houve um caso desses na Croácia e na República Checa. O filme é um misto dessas situações”, explicou-nos Radu Jude em entrevista em março passado.

Habituado a lidar com a História da Roménia, dos tempos mais antigos (“Aferim!“) aos dramas da 2ª Guerra Mundial (“The Exit of the Trains“), Jude embarca nos novos tempos, da Covid-19, visitando situações que considera muito mais obscenas que as imagens de marido e mulher em atos sexuais: “Todos os filmes que fiz recentemente mostram os pontos negros da História da Roménia e agora estamos focados nos tempos atuais. Basta ver a discussão que já existe nas nossas redes sociais, onde há pessoas que estão a dizer – sem terem visto o filme – que ele é uma vergonha e que não devia ser exibido no país. Somos muito provincianos naquela ideia de que estamos a ser observados pelos outros países, por isso temos sempre de vestir a melhor roupa e mostrar a nossa melhor cara. Claro que numa sociedade maior, pensemos nos EUA, ninguém quer saber o que os romenos pensam deles (risos). Na Alemanha, Itália, França, Espanha, ninguém quer saber o que o meu país pensa deles. Mas nós ligamos muito a como a Alemanha nos vê, por exemplo”.

Ninguém sai incólume e isento de críticas nesta exposição à hipocrisia generalizada, com Jude a ser particularmente duro com a Igreja Romena, a quem atribui muitas da responsabilidades pelo tabu em torno do sexo. “É difícil dividir as responsabilidades sobre tudo isto, mas a Igreja Romena sempre esteve ligada às ditaduras. Eles jogam sempre a cartada do ‘vitimas’ nos tempos comunistas, mas depois da revolução a sua ligação à política e aos partidos piorou. Eles podem ser decisivos no apoio a candidatos, especialmente nas zonas rurais. Por isso, muitos partidos dão muito dinheiro e poder à Igreja. Creio que na Polónia ocorre o mesmo, com decisões contrárias aos movimentos LGBT a surgirem. Aliás, a Polónia e a Hungria servem como modelo para muitas relações entre a sociedade, a política e a Igreja.”, explicou Radu Jude.

Making-off da cena pornográfica

O filme começa com aquilo que definimos como pura pornografia. A construção do vídeo extremamente gráfico – com sexo oral e vaginal – que vai depois ser espalhado pela internet. Seguem-se os percalços da protagonista para tentar sair ilesa ao “tribunal popular“, e a forma como a sociedade achincalha o comportamento desta mulher, que por ser professora devia ser uma cidadã modelo. 

Segundo Jude, a ideia da cena veio da pesquisa que fez em sites pornográficos à procura de vídeos romenos: “A cena é uma mistura de situações que encontramos em vídeos caseiros feitos por romenos. Quanto à produção da cena em si, nós tínhamos uma atriz profissional, Katia Pascariu, que faz principalmente teatro político e social. Ela disse que não tinha problemas com a cena. Quanto ao homem, que faz de seu marido, contratámos um ator da indústria pornográfica. Fizemos a cena de forma muito profissional. Foi filmada pelo homem com um Iphone, creio que o X. A banalidade da cena acabou por trazer com ela um pouco de humor. É como o Milan Kundera dizia num ensaio sobre ‘o lado cómico do sexo’.  Se olharmos com uma certa distância, vemos que é uma cena cómica. Até o pequeno problema de ereção do homem, que foi algo que aconteceu realmente ao ator profissional. Essa situação fez-nos sentir melhor connosco mesmo (risos). Se isto acontece aos profissionais, não deveríamos ter vergonha ou sentimento de culpa quando isso acontece.

Artigo originalmente escrito em março de 2021

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