“Há três anos, estive em Berlim, visitei o Museu do Cinema e vi posters da Berlinale. Pensei, seria tão incrível simplesmente ir lá..” As palavras são da realizadora moldava Olga Lucovnicova, realizadora de “My Uncle Tudor”, vencedor do Urso de Ouro para melhor curta-metragem no Festival de Berlim.
Coproduzido pela Bélgica, Portugal (Universidade Lusófona) e Hungria, “My Uncle Tudor” é uma incursão documental que a realizadora executou no contexto académico do programa europeu de mestrado DocNomads. E é uma viagem simples, delicada, cirurgicamente refletida e denunciada sobre um trauma de infância apresentado perante as câmaras.
E entramos nesta casa de família com uma voz a questionar a mãe e depois a avó sobre como era quando era criança. Aos poucos, muitas vezes apenas a espreitar por entre portas ou janelas, a cineasta começa a reunificar pedaços da memória, compondo um quadro com atenção nos detalhes, onde os copos, os pratos, a mesa de jantar, e outros objectos ajudam-na a transportar-se para outros tempos. A razão de ser do documentário só nos é apresentado a meio, quando numa conversa com o tio percebemos que foi abusada sexualmente por ele, interrogando-o sobre as memórias que ele tem desses tempos, que não só são diferentes das dela, como complexas na perceção daquilo que realmente fez, sem existir uma verdadeira forma de mostrar pesar ou remorso. Foram coisas naturais e longe de qualquer violação forçada, que poderia até ter feito, insiste ele perante ela. Há um momento particular em que a mulher pergunta ao tio como foi capaz de fazer aquelas coisas a uma menina de nove anos, respondendo este algo como: “aos 9 anos já está preparada para muita coisa”.
Existem dois mundos, dois tempos e duas visões completamente opostas na observação de uma situação que para quase todos é óbvia, mas indo além do filme social ou meramente de denúncia, Olga Lucovnicova consegue criar um objeto complexo, ainda por cima com um grande sentido técnico e estético.
Ainda vamos ouvir falar muito desta cineasta moldava.
