«Aferim!» por João Miranda

 

Em meados do século XIX, na Valáquia (região que faz hoje parte da Roménia), um “xerife”, Constandin, de um boiardo local, procura um escravo fugido. Esta é a premissa que nos leva numa viagem através das planícies desta região no Western oriental com contornos picarescos. Radu Jude, no seu terceiro filme (na sua carreira e no IndieLisboa), parte deste cenário para nos mostrar as bases históricas para alguns dos problemas sociais que afetam a Roménia e a Europa hoje em dia. Não só a relação com a população Rom, que nesta altura eram tratados como sub-humanos, servindo como escravos, mas também com todos os países europeus, na boca de um padre que se lança numa diatribe em que estereotipa as várias nacionalidades.

Constandin é acompanhado pelo seu filho, que pretende educar na sua profissão e na vida. Para isso, recorre aos sistemas de conhecimento que lhe estão disponíveis: a Igreja (com várias referências bíblicas, mas também com corrupções, como aquela em que Aristóteles ensina a Alexandre, o Grande, os Salmos), a tradição popular (numa torrente constante de adágios e cantigas que concorre com Sancho Pança) e a sua experiência de vida. Se as situações à volta deles nos mostram a sociedade e abrem o filme, esta relação entre os dois acaba por torná-lo mais intimista e privado, num movimento oposto, mas complementar.

Temos assim um filme que nos mostra a forma como os indivíduos navegam pelos vários contextos geo-históricos e como tentam encontrar neles a sua posição e justificá-la recorrendo aos vários sistemas de conhecimento que têm disponíveis. Recusando focar-se numa altura de grandes mudanças, Jude consegue mostrar-nos a forma como estas estruturas sócio-gnósticas se perpetuam e se mantêm durante os séculos com poucas mudanças. A sua frase final mostra a impotência e adaptação dos indivíduos sobre processos históricos que os ultrapassam, bem como estes são construídos e mantidos sobre a pretensão de profundidade ou de autoridade: “Vivemos como podemos, não como queremos“. Aferim, Radu Jude!

O Melhor: A imagem; A complexidade temática.
O Pior: Algumas cenas prolongam-se um pouco demais.


João Miranda

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