Filmado no Pantages Theatre, Los Angeles, durante a digressão do álbum Speaking in Tongues (1983), Demme acompanha sob um jeito intrigado a entrada do artista em palco. A porta abre-se, um vulto caminha em direção ao público. Neste momento a câmara é seduzida pelo vocalista David Byrne que marca presença num cenário em pré-construção. De pose rígida, Byrne apresenta-se ao público com um rádio Hi-Fi, enquanto cantarola uma versão acústica ao som de um ritmo gravado de “Psycho Killer”, o provável grande êxito da banda. Como é possível, que se desperdice o grande single do grupo nos primeiros minutos e a transfigure numa melodia inconsolada?
O público reunido cantarola, acompanhando hesitantemente perante esta “insensível” comité de boas-vindas, e é então, que o sentido, esse logo deixado de fora, é convertido num retrocesso à real natureza da indústria musical. O palco vai-se construindo à vista de todos os presentes, os restantes membros da banda apresentam-se um a um, a trupe reúne-se e o cenário é por fim… completado. O público perde a magia da ilusão. Mas fora o ilusionismo, a magia contagiada pela energia do nosso vocalista, em constantes espasmos no qual apelida de dança.
A melodia instala-se e serve-se de pílula amnésica para as audiências, agora reféns do “faz-de-conta” do estúdio montado à última da hora e da banda reunida quase por chamamento. Não interessa, são os Talking Heads em ação, a sua música delirante em conformidade com letras que nos remontam às loucuras das nossas rebeldias, ao mundo sem sentido que por vezes lutamos como insurreição de uma prisão ritualista. Mais que “cabeças falantes” (termo encontrado no seio documental, onde a ação dá lugar a entrevistas passageiras), eles são deuses por um dia, neste caso, conservados em película, os astros idealizados por Demme, no qual desafia a estabelecida formatação do filme-concerto.
“Stop Making Sense” é um dois em um. Primeiro, uma nova forma de entretenimento musical em palco, por sua vez rompendo com a básica ideia de música ao vivo, com a banda a assumir a sua disfuncionalidade e cerebralidade para com as audiências. E segundo, a aula-mestra de Jonathan Demme do seu circuito musical, mais que um técnico nas boas graças do contrato, um artista perante outros artistas, transgredindo a barreira da simples filmagem. Incutindo cinema num atmosférico e orquestrado filme… sim, cinema, em toda a sua glória. Desde a simetria de David Byrne por detrás do seu alto microfone, até o “psicadelismo graffiti” que insurge em palco. Toda a banda o sabia, este concerto iria ser único, e não apenas nas memórias dos espectadores, mas na história do seu género.
Pois bem, para muitos, “Stop Making Sense” é o maior de todos os filmes-concertos, mas para nós, sem querer contrariar o consenso, opinamos a criminalidade que é assisti-lo, sentado numa plena sala de cinema. Não há sentido para isso. Na verdade, nada faz sentido. Qu’est-ce que c’est, fa-fa-fa-fa-fa-fa-fa-fa…