Quinta-feira, 28 Março

Sexo, mentiras e uma morte no Cais

A vida de Alejandra (Verónica Sánchez) parece um sonho. Vem dos “copos” com uma amiga, acaba de fechar um contrato de 130 milhões de euros para a construção de um arranha-céus, o marido (Álvaro Morte, o professor da série La Casa de Papel) diz-lhe ao telefone que quer ter um filho com ela, e tem amigos e familiares próximos prontos a apoiá-la. Tudo corre bem neste El Embarcadero (O Cais), série de 8 episódios exibida na HBO Portugal a conta gotas (um episódio semanal), apesar de já ter sido completamente lançada pela Movistar em Espanha e já estarem pela Internet todos os seus capítulos (não se percebe esta decisão da plataforma).

Momentos depois de sentirmos a felicidade na vida da mulher, o telefone toca. É a “Guardia Civil” que a avisa que foi encontrado o carro do seu marido, perto de um cais, e que ela tem de ir identificar o corpo. O céu começa a desabar sobre a mulher, que perante o pedido de ter filhos com marido e uns bilhetes que ele comprou recentemente para um concerto, duvida da teoria do suicídio por inalação de fumos que a polícia avança. Ora, também instigada pela mentira do marido, que lhe disse que estava em Frankfurt mas afinal estava em Espanha quando se matou, Alejandra parte no encalço dos segredos do esposo, descobrindo uma segunda família com quem ele partilhava a vida e bastantes outros segredos que a fazem entrar numa rota de descoberta e de duvidar de todos os momentos que viveu nos últimos 15 anos. Quem é afinal a mulher com quem o seu marido também partilhava a vida? Quem era afinal o seu esposo? E o que aconteceu naquela noite fatal no Cais? Estas são as questões que os mesmo produtores executivos da famosa La Casa de Papel fazem em El Embarcadero, série que começa como um thriller, transforma-se em drama psicológico até volver ao mistério de toque policial.


Verónica (Irene Arcos)

A vertente psico-dramática é a mais elaborada por aqui, com Alejandra a entrar no mundo da mulher (Verónica) com quem o seu marido partilhava uma segunda vida de forma a tentar encontrar uma explicação para as coisas e para como conseguiu ter sido tão enganada. Os atores cumprem os seus papéis, com especial destaque para o brilho repleto de charme e carisma de Irene Arcos como Alejandra (faz lembrar Lúcia, em Lúcia e o Sexo), personagem extremamente livre, emancipada solta das amarras sociais e que representa quase na sua moralidade as antípodas de Verónica, uma mulher apaixonada mas mais constrangida, ponderada, de maior pleaneamento.

A cinematografia e a direção artística carregam o espectador para a própria personalidade de Alejandra e Verónica, com a primeira a vir de um local mais emocionalmente frio, citadino, planeado, construído e montado, e Alejandra a viver – como a sua personalidade – numa área mais selvagem, repletas de cores veranais e que instintivamente nos transmitem calor, carnalidade, primitividade e um toque de natureza indomável.

Filmado na zona de Valência, na zona do Parque Natural da Albufera, essa luminosidade da fotografia transposta com ajuda da paisagem protegida e de menor intervenção humana, ajuda assim a separar as duas mulheres, que apesar das diferenças encontram pontos em comum e de fascínio mútuo. A série tem ainda coragem de entrar num campo de sensualidade sexual, com cenas de cariz tórrido e não formatado/limitados a vastas audiências como nas séries anglo-saxónicas, com o trio de protagonistas e alguns secundários a literalmente darem o corpo ao manifesto (nudez, sexo a 2, a 3, etc), enquanto viajamos entre presente e passado através de uma montagem, que nos mostra ainda em conflito ilusões e recriações mentais em conflito com o que verdadeiramente se passou.

Por tal, e apesar de não descobrir a pólvora, nem ser particularmente original no seu enredo, O Cais consegue prender-nos num ambiente de mistério e numa visita intensa à psique de alguém que vive há décadas enganada com a sua própria vida. Será que ela vai mudar a sua maneira de ser? Sim, já mudou…

Segunda temporada a caminho…


Alejandra (Verónica Sánchez), ao centro

Foi a própria Verónica Sánchez que o declarou em entrevista à Levante LM: “A primeira temporada tem oito episódios em que Alejandra vai evoluir “até que descubra a sua verdadeira identidade”. A série já se renovou para uma segunda temporada em que Alejandra terá um processo evolutivo notável.

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