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«Wanderlust»: a série que devia ter sido mais ousada!

Pode parecer uma comédia mas não é.

Wanderlust, escrita por Nick Payne e realizada por Luke Snellin e Lucy Tcherniak, é uma série coproduzida pela BBC One em parceria com a Netflix. Composta por seis episódios, estreou em setembro de 2018 e tem a atriz australiana Toni Collette como protagonista.

Na base da história está o casamento de Joy (Toni Collette) e de Alan (Steven Mackintosh), na verdade, no centro de tudo, está a crise deste matrimónio. Consciente da dificuldade que o espectador poderá ter em associar o título da série ao conteúdo, os criadores optaram por colocar no genérico inicial a definição do termo Wanderlust: “a strong longing for or impulse toward wandering“, ou seja, “um forte anseio por/ou impulso por passear/vaguear” (tradução livre). Será que esta explicação ajuda o espectador? Sim, no fim da série o termo fará sentido.

A frustração do casal perante a crise do seu casamento leva-os a uma ideia que aparentemente, pelo menos no princípio, terá o potencial para salvar a relação: terem casos com outras pessoas, sendo que a norma é: não haver segredos. No início a ideia funciona, mas rapidamente resvala porque o relacionamento aberto é desafiado por novas pessoas e sobretudo por “fantasmas” do passado e é neste ponto que reside o grande problema de Wanderlust: a introdução de subtramas desnecessárias que atolam a história central e retiram o possível picante ou ousadia da narrativa caso continuasse a avançar com as relações extraconjugais.

O trabalho do dramaturgo Nick Payne na escrita é bom, a série é irónica e incisiva mas, a meio, perde o atrevimento que apregoa nos episódios iniciais. Wanderlust poderia ser uma espécie de “elo perdido” na temática dos “casamentos abertos” mas esmorece e perde o rumo, passando a ser uma série sobre crise de meia-idade e assuntos do passado mal resolvidos.

A mais-valia de toda a série é Toni Collette. A atriz é soberba. É nela que está centrado o que de melhor a série tem. O episódio em que a personagem que interpreta, Joy tem uma sessão com a sua terapeuta (interpretada de forma sublime por Sophie Okonedo) é incrível, apesar de demasiadamente longa e excessivamente intensa. Mas na verdade, não víamos nada assim desde que Tony Soprano nos deixou, pois se existem cenas inesquecíveis na mítica série HBO são as que o mafioso protagonizou sentado na sala da psiquiatra Jennifer Melfi. Joy é ela própria uma terapeuta, facto que intensifica – para melhor e para pior – ainda mais esta cena.

A personagem de Collette é humana, intensa e através de recurso a micro movimentos e micro expressões, a atriz consegue transmitir as frustrações e emoções. É um trabalho impressionante e que é bem complementado por Mackintosh. O casal constrói uma dupla curiosa. Mas o restante elenco também merece destaque, sobretudos os três filhos do casal interpretados por Joe Hurst, Celeste Dring e Emma D’Arcy, sendo que também neles está um dos problemas da série. Wanderlust promete ser uma série sobre os problemas de um casal e depois apresenta-nos os filhos do casal, cada um com uma história de vida interessante que apesar de nos fazer querer saber mais é mais um factor de distração perante o ponto central da narrativa.

Aparentemente, com esta série, Toni Collette foi a protagonista do “primeiro orgasmo feminino na BBC [1]“, um feito histórico que merece todo o nosso reconhecimento, mas infelizmente Wanderlust não é a viagem que sonhávamos. Não é uma má viagem mas, ousando a comparação, o resultado final deste projeto BBC One/Netflix é semelhante com o enveredar num itinerário de sonho mas quando chegamos ao destino chegamos à triste constatação que as nossas malas desapareceram.

Quanto à possibilidade de uma segunda temporada? Até agora nem a BBC One nem a Netflix comentam a renovação ou não de Wanderlust, mas em várias entrevistas o autor Nick Payne diz estar disponível para escrever mais sobre estas personagens.