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O feitiço do tempo de “Boneca Russa”

Nadia é uma mulher que celebra os seus 36 anos numa festa organizada por uma amiga. A primeira imagem que temos dela é numa casa de banho, em frente ao espelho, a água a correr e alguém a bater numa porta cuja maçaneta é uma pistola e a decoração é uma vagina artística. A vida não lhe corre bem, especialmente agora que perdeu o gato, e após uns copos, uns cigarros com cocaína à maneira israelita, umas conversas de circunstância e um engate casual, ela acaba atropelada e morta no meio da rua.

A história não acabou aqui, mas sim começa. A seguir à esta morte, Nadia volta exatamente ao mesmo local onde estava no início: na casa de banho, a olhar para o espelho, com a água a escorrer, com alguém a bater à porta. A música que se ouve é novamente a mesma:Gotta Get Up de Harry Nilsson.

Bem vindos a Boneca Russa, a nova aposta da Netflix que parte de um princípio em todo similar ao clássico da comédia O Feitiço do Tempo (Groundhog Day, 1993), no qual Bill Murray revivia o maldito dia da marmota, sempre a ter de ouvir ao acordar o I Got You, Babe de Sonny & Cher. Aqui é Nadia que vai ter de reviver o seu aniversário até entender como ultrapassar esta “maldição”, estando sempre a ser vítima de novas e mirabolantes mortes.

A grande diferença entre este Boneca Russa e O Feitiço do Tempo é que algumas transformações e mudanças vão ocorrendo quando Nadia “regressa” para reviver os seus dias. Há também algumas surpresas adjacentes, como incursões tão díspares entre o humor, drama, suspense e até terror, tudo no ambiente liberal de Nova Iorque. A adição de personagens novas ao longo da história e o foco em outras que nos passaram ao lado no início é também uma mais valia, numa série em profundo crescendo emocional e de mistério especialmente quando chega a meio.

Outra das vantagens é que o conceito é construído em 8 episódios, com cerca de 25 minutos, para não haver excessos. No final, temos cerca de 4 horas de gargalhadas, tensão, dezenas de referências pop, eventos que se vão revelando camada a camada (daí o nome Boneca Russa)  e espaço bem aberto para uma continuação.

Sim, queríamos ver mais, pois o mistério foi bem lançado, a nossa empatia pelas personagens solidificado à medida que os episódios correm, o que vai bem além de ser apenas uma reciclagem de todo um conceito que até Tom Cruise e Emily Blunt já viveram mais recentemente em No Limite do Amanhã (Edge of Tomorrow).

Os atores

Para além de cocriar, coescrever e coproduzir a série, Natasha Lyonne protagoniza o papel de Nadia, uma mulher “rija” que parece “filha de Andrew Dice Clay e da menina de Brave (Indomável)“ a quem tudo parece correr mal. Digamos que ela não é a pessoa mais afável do mundo e talvez seja mesmo a mais egoista de todos. Mais conhecida por nos últimos tempos a termos visto em Orange is The New Black, Lyone é conhecida por filmes como American Pie, onde era a jovem que dizia a Tara Reid para não olhar para o sexo como se fosse uma viagem à lua. Na verdade, esta Nadia podia muito bem ser a mesma personagem, quase vinte anos depois.

No restante elenco, realce para Charlie Barnett, que conhecemos de Chicago Fire ou da série Segredos e Mentiras. Algumas pequenas participações de luxo, como de Chloe Sevigny ou de Burt Young, são “mimos” de uma produção que conta ainda com o dedo de Amy Poehler e Leslye Headland.