Terça-feira, 19 Março

Auf Wiedersehen, Karl Lagerfeld (1933-2019)

Morreu esta terça-feira em Paris, aos 85 anos, o consagrado estilista Karl Lagerfeld. Conhecido como o “Kaiser da moda“, Karl Otto Lagerfeld nasceu em Hamburgo em setembro de 1933 e seguiu para Paris em 1954. Trabalhou com a Chloe, com a Fendi, mas foi na liderança da marca de moda francesa Chanel, que ajudou a renovar a partir de 1983, tirando-a do epíteto de marca antiquada, que se destacou.

Para além de ter escolhido inúmeros rostos do cinema (ou que viriam a singrar na 7ª arte) como imagens representantes da sua “casa”, como Vanessa Paradis, Cara Delevingne, Diane Kruger, Julianne Moore, Tilda Swinton, Robert Pattinson, Kristen Stewart, Catherine Deneuve, Blake Lively, Keira Knightley e mais recentemente Lily Rose Depp, Karl teve também diversos trabalhos na 7ª arte, ora no guarda-roupa, ora como figurante, ator e até realizador de curtas-metragens.

 

Karl e o cinema

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Editor convidado da edição de Natal 2016 da Vogue Paris, Karl Lagerfeld partilhou com a revista os seus filmes favoritos. Neles constavam Os Rapazes da Geral (1945), filme de Marcel Carné, a primeira obra francesa que viu na sua cidade natal, Hamburgo. Já em As Damas do Bosque de Bolonha (1945), de Robert Bresson, atraiu-lhe o charme da personagem de Maria Casarès: “ela é muito parecida comigo com seu gosto por pequenos atos de vingança.

Outros favoritos eram O Gabinete do Dr. Caligari (1920) de Robert Wiene; Os Outros de Alejandro Amenábar, catalogado por Karl como “um dos melhores filmes do cinema contemporâneo e, sem dúvida, o maior papel de Nicole Kidman”; A Desumana (1924) de Marcel L’Herbier; Metropolis de Fritz Lang; e A Lenda de Gösta Berling (1924) de Mauritz Stiller.

A sua primeira colaboração no guarda-roupa para Cinema foi em 1971, com Claude Chabrol em Remorso (1971) e A Década Prodigiosa (1971). No primeiro filme, nascia também uma colaboração que se prolongou por vários anos com a atriz Stéphane Audran: “Este trabalho era diferente do seu negócio na moda e foi isso que certamente o atraiu“, disse a atriz à Vogue numa entrevista concedida antes de falecer em março de 2018 .

No filme Núpcias Vermelhas (1973), também de Chabrol. Audran relembra como o cineasta pediu a Karl uma nota de vermelho num dos figurinos que simbolizasse sexo e morte. Em O Charme Discreto da Burguesia, de Buñuel, Audran usa um famoso vestido decotado com três triângulos nas costas. Lagerfeld projetou-o para uma sequência de jantar, onde apenas o vemos pela parte de trás.

Com Chabrol, Lagerfeld trabalharia ainda em Folies bourgeoises (1976) e Violette Nozière (1978), contribuindo ainda com figurinos para O Falcão Negro (1975), Os Banqueiros (1977), O Advogado do Diabo (1977) e A Festa de Babette (1987), todos com Stéphane Audran no elenco.

Em Violette, que se desenrola em 1933, a raposa era um artigo popular, mas quando o filme foi executado, a pele do animal tornou-se numa pele “rica“.” Por isso, em vez de uma gola de raposa, Karl pôs uma de astracã no meu pescoço. Assim, no grande ecrã, a personagem parecia pobre. Ninguém trabalhava assim, como ele”, disse Audran na mesma entrevista à Vogue.

Igualmente marcante foi o trabalho de Karl no controverso A Dama do Prazer (1976) de Barbet Schroeder. No filme encontramos Gerard Depardieu como um criminoso que tenta assaltar um apartamento em Paris, mas é apanhado pela dona, Ariane (Bulle Ogier), uma dominadora profissional. Karl foi o criador do guarda-roupa provocante de Ariane, onde se incluíam roupa de couro justa, espartilhos e luvas até o cotovelo, elementos clássicos relacionados ao mundo do BDSM, aqui trabalhados com a mestria e os padrões da alta costura pelo designer alemão.

Como ator, Karl surgiu muitas vezes no seu próprio “papel”, como em Zoolander (2001), Duplo no Amor (2006) e Lolo (2015). Ainda nos anos 70, surgiu em L’Amour (1973), filme experimental de Paul Morrissey e Andy Warhol, e em 2009 deu a voz ao vilão Fabu na animação – inédita em Portugal – Totally Spies! Le Film.

O estilista chegou a ser convidado para Zoolander 2, mas recusou a sua presença dizendo à revista canadiana Hello! que não era ator e que não gostou nada do “stunt” criado pelo filme no desfile de Valentino em Paris em 2015.

 

Karl, o realizador

Depois de se ter estreado em 2011 com a curta metragem da Chanel The Tale of a Fairy, com Anna Mouglalis, Amanda Harlech e Kristen McMenamy no elenco, e de seguir na direção com as curtas Once Upon a Time…(2013), com Keira Knightley; The Return (2013) – com Geraldine Chaplin e Rupert Everett -, e Reincarnation (2014) com Pharrell Williams, Cara Delevingne e Geraldine Chaplin, Karl filmou em 2015 Once and Forever, com Kisrten Stewart.

Esta metaficção é um filme sobre um filme, onde Kristen Stewart interpreta uma atriz que se prepara para o papel da jovem Coco num filme biográfico. (Geraldine Chaplin é a Chanel mais velha). As coisas não correm bem, pois o filme perdeu o realizador e Stewart não é a pessoa mais fácil de se lidar: “Ela é bastante condescendente. É uma mulher moderna, como algumas estrelas de cinema modernas se comportam no tapete vermelho, os paparazzi, tudo isso. (…) Eu queria que fosse moderno. E dar um pouco de humor para isso”, disse Karl Lagerfeld sobre o pequeno filme

Karl em documentário

Lançado em 2007, com estreia no Festival de Berlim, Lagerfeld Confidential é um documentário que reúne material filmado durante três anos sobre o consagrado estilista. Já em dezembro de 2018, a Netflix lançou uma série documental cujo primeiro episódio se focava na casa Chanel, seguindo Karl Lagerfeld enquanto ele se prepara para o desfile de Alta Costura da primavera/verão de 2018.

Para este 7 Days Out, Rossi teve acesso total a Lagerfeld e à sua equipa, onde foi capaz de gravar livremente o que aconteceu na semana anterior ao desfile.

 

Karl, a “estrela da 7ª arte”

O ícone da Moda inspirou a cartoonista francesa Tiffany Cooper em 2015 a retratar Lagerfeld e o seu gato Choupette nos cartazes de filmes e séries famosas, onde se incluía Kill Bill (transformado em Karl Bill), a saga James Bond (Karl Bond), King Kong (Karl Kong) e Gossip Girl (Gossip Karl). Karlywood era o nome da exposição e foi apenas uma das colaborações entre dois. O duo colaborou igualmente nesse ano numa linha de t-shirts, sweatshirts e acessórios comercializados na Stylebop.

 

Polémica #MeToo e ódio a Harvey Weinstein

No auge das acusações a Harvey Weinstein e a muitas outras personalidades do mundo do cinema e moda, Karl Langerfeld veio a público criticar a vaga de acusações, deixando, porém, bem claro que não gostava do produtor fundador da Weinstein Co.

Numa coluna mensal na revista do jornal Frankfurter Allgemeine, Karl chegou a desenhar o rosto de Weinstein misturado com o focinho de um porco. A isto adicionou a pergunta: “Conhece Harvey Schweinstein?” – um trocadilho entre o apelido do produtor com a palavra schwein, que em alemão significa porco.

Já à revista francesa Numéro, Langerfeld diss: “Estou farto disso (#MeToo). O que mais me choca no meio disto tudo são aquelas que demoraram 20 anos a se lembrarem do que aconteceu. E de não existirem testemunhas de acusação. Dito isto, não apoio o Sr. Weinstein. Tive um problema com ele no amfAR [na Gala amfAR, organizada durante o Festival de Cannes, em prol da luta contra a SIDA] … não foi um problema de natureza sexual, mas profissional. Vou poupar nos detalhes, mas ele não é exatamente o que se pode chamar uma pessoa de palavra”.

Prosseguindo, e defendendo Karl Templar, ex-diretor de moda da revista Interview, Langerfeld disse: “Li em qualquer sítio que agora temos de perguntar a uma modelo se ela se sente confortável em posar. Isso já é simplesmente demais. A partir de agora, enquanto estilista, não se pode fazer nada. (…) Quanto às acusações contra o Karl Templar, não acredito numa única palavra. Uma rapariga queixa-se que ele tentou puxar-lhe as calças para baixo e ele é imediatamente excomungado de uma profissão que até então venerava-o. É inacreditável. Se não quiserem que lhes baixem as calças, não sejam modelos! Vão para um convento.“.

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