Terça-feira, 19 Março

Alfonso Cuarón: “A armadilha para os cineastas é ver Hollywood como uma espécie de Santo Graal”

Depois de ter falhado o Festival de Cannes, certame em “guerra” com a Netflix, o novo filme de Alfonso Cuarón (Gravidade), Roma, surgiu e triunfou em Veneza, sendo agora apresentado e destacado no Festival Lumière de Lyon, que curiosamente tem também o dedo de Thierry Frémaux, o diretor geral do festival mais famoso do mundo.

A apresentação do filme, marcadamente autobiográfico e inspirado na ama indígena e pobre que acompanhou Cuáron na infância, foi feita com pompa e circunstância, com o realizador a dar uma masterclass no evento, explicando ao público a produção.

Antes de embarcar em Roma, Cuarón confessou estar a preparar um projeto de filme em torno de “uma tragédia familiar há 50 mil anos, uma espécie de Adão e Eva Darwinista“: “Contei isso ao Thierry durante uma conversa bem regada, mas isso não o impressionou e, nos vapores do Mescal, disse: ‘Porque não volta para o México? Tens de voltar a filmar no México, esta é a altura certa.’

Roma nasceu, cresceu e ganhou vida – que pode ter como um dos pontos mais altos a chegada aos Oscars. “É um filme sobre a memória, sobre o passado visto do presente.  (…) Ao fazer o filme, fiquei triste ao ver que os temas levantados, como o racismo e a miséria pioraram, não apenas no México, mas em todo o mundo. A contrapartida dessa violência social, quando comparada à minha geração que não ousou em denunciar a situação, é uma vitalidade sem precedentes da juventude. Essa exuberância faz-me manter a esperança nas novas gerações.

Sobre a escolha da Netflix, Cuáron esclareceu: “Roma é produzida pela minha empresa, não pela Netflix . E quando veio a encontrar um distribuidor, a Netflix mostrou agressivamente como era a única capaz de exibir o filme em todo o mundo. De facto, uma ambição global para um filme a preto e branco”. Porém, as ambições de Cuarón passaram sempre por filmar a obra para ser vista no cinema: “As filmagens em 60mm, apelam ao grande ecrã“.

Já sobre Hollywood, o cineasta fala em indústria e aponta o maior erro dos realizadores em geral.”Tenho a tendência em ver Hollywood como uma indústria e apenas uma indústria. A armadilha para os cineastas em todos os países é ver Hollywood como uma espécie de Santo Graal, e pensarem que, para alcançá-lo, é preciso homogeneizar a própria linguagem. (..) Há outro aspecto de Hollywood que me interessa muito mais: é uma indústria de emigrantes. Emigrantes europeus trouxeram a sua própria bagagem e conhecimentos, os alemães fugiram do nazismo. Fritz Lang moldou o filme noir, Lubitsch trouxe o legado da comédia vienense.“, concluiu.

Roma chega a alguns cinemas e à Netflix em dezembro.

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