Terça-feira, 19 Março

Paulo Branco: “O Cinema é Cinema, não há comercial e não comercial”

Num debate sobre como levar mais público a assistir a filmes nacionais, no 3º Encontro do Cinema Português, que ocorreu no passado dia 6 de junho, em Lisboa, o produtor português Paulo Branco afirmou que não existe uma indústria do cinema no nosso país e que essa só vai existir “no dia em que a NOS, a Mediacapital e a Meo decidam produzir.

Num encontro onde marcaram ainda presença o presidente do ICA, Luís Chaby Vaz, o programador da NOS Joaquim Bidarra, o argumentista Tiago R. Santos, o realizador Sérgio Graciano, e ex-administrador da RTP, Nuno Artur Silva, Branco afirmou que os produtores independentes como ele “fazem protótipos” e que a “indústria não é com eles”:No dia em que em Portugal existir uma completa mudança e se perceba, ou se houver interesse dos grupos de telecomunicações, dos operadores e dos grandes grupos em investir e produzir, aí começa a haver uma indústria.

Falando da sua posição de “construtor” de protótipos, Branco deu o exemplo de um filme clássico: “O Citizen Kane é um protótipo. Foi um desastre quando estreou. Um desastre absoluto. E neste momento é um dos filmes mais vistos da história do Cinema. Casos desses acontecem.“, reconhecendo mais tarde que o que não faltam em Portugal são “Citizen Kanes” [protótipos] por metro quadrado.

Admitindo que no estado em que está o Cinema nacional os produtores independentes continuarão a fazer protótipos e a arranjar maneiras dos filmes serem diferentes e corresponderem de uma certa maneira ao interesse do público, Branco desmistificou a ideia de existirem realizadores que não pensam no público: “Não há nenhum realizador que não queira encontrar o público, por mais que ele diga [que não] (…) Eu sei, porque trabalhei com o [Manoel] Oliveira e João César Monteiro, que são realizadores considerados que se estavam nas tintas para o público. Isso é completamente falso. E quando os filmes estreavam no estrangeiro ou em Portugal, eles estavam mais preocupados do que eu nos resultados que faziam.

“Não há regras para os protótipos”

Falando sobre esses protótipos, Paulo Branco admite que não existem regras para a sua construção e que dois ou três dos filmes de maior sucesso com que trabalhou foram filmes com apenas algumas páginas ou mesmo sem argumento: “O Estado das Coisas do Wim Wenders, A Cidade Branca do Alain Tanner, eram cinco páginas, ou mesmo o dos Madredeus, o Lisbon Story (Viagem a Lisboa). Nesse então não havia nada. Só os Madredeus. E a partir daí construiu-se uma história. Por outro lado, há filmes que necessitam de um trabalho de argumento muito importante. Por exemplo, Os Mistérios de Lisboa. Se o filme é o que é é graças ao argumento do Carlos Saboga e o que ele conseguiu fazer daquela loucura dos Mistérios de Lisboa do Camilo Castelo Branco. Ou seja, não há regras. Eu encaro a minha profissão nisso. Tentar, com os meios que tenho, com o dinheiro, maximizar, trabalhar com o realizador, exigir de um argumentista quando é necessário, ou partir para um projeto em que eu sinta que há uma base que pode ser interessante. Às vezes falhamos, outras vezes não. (…) Nós temos o que temos. Nós neste momento, para produzir em Portugal, temos tanto como eu tive para produzir o Cosmopolis. 15 milhões de euros para produzir todo o cinema português.Temos de perceber que não se fazem omeletes sem ovos

“O Cinema é Cinema, não há comercial e não comercial”

Quando faz-se um filme, faz-se um filme. Ele é julgado pela crítica, é julgado pelos espectadores, é julgado pelo mercado, é julgado por todos. Acabemos com isso. Não há cinema comercial ou não. (…) Eu numa altura vendi um filme do Manoel de Oliveira por um milhão de euros ao Canal +. Isso é cinema comercial! Algum filme português alguma vez deu retorno de um milhão de euros na exibição em Portugal? Não deu. Cinema comercial é aquele em que o produtor pode tirar proveito disso ou não. Por isso, há muitos parâmetros. O cinema é cinema. O Citizen Kane, já disse, quando saiu, fez 4 mil ou 10 mil espectadores. A Regra do Jogo fez 4 mil espectadores e ia condenando o Jean Renoir a nunca mais filmar. Quantos milhões fez depois disso? E foi considerado um filme experimental na altura. Como o Acossado do Jean-Luc Godard, que foi considerado mais que um filme experimental na época. E vejam o que é que se passa agora. Acabem com essa história do cinema comercial ou não. Qualquer filme é julgado pela crítica, pelo tempo e pelas coisas. O resto é conversa…

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