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Michael Haneke fala de “Black Mirror”, “Blade Runner” e o #MeToo

 

Numa entrevista ao jornal austríaco Kurier, o realizador Michael Haneke falou um pouco dos seus filmes, da distopia (que vai envolver o seu próximo projeto televisivo), da liberdade da arte e do movimento #MeToo, para o qual não tem grande simpatia. Mas vamos por partes.

Haneke começou por dizer que não é surpreendente de todo a sua opção por ir realizar uma série sobre um cenário utópico/distópico, dando o exemplo de O Tempo do Lobo (2003), que ocorria num tempo incerto. O realizador disse ainda que a maioria dos seus filmes, de “Sétimo Continente” a “Happy End [1]” procuram mostrar situações modeladas para além do naturalismo, um processo muito parecido com o género de ficção científica.” Já no que concerne ao formato em série, Haneke diz que já encontrou histórias que acabaram com os comprimentos de cinema habituais, por isso não deviam estranhar a sua opção.

Reconhecendo que atualmente vê muitas séries de ficção cientifica [por estar a trabalhar numa], todas elas mais ou menos distópicas, Haneke menciona Black Mirror, considerando que há episódios muito bons e outros que nem por isso. Já blockbusters do género não vê com frequência, nem tem interesse, mas admite que viu a sequela de Blade Runner [2] e que a considerou “muito inferior ao original“.

Quanto a tendência atual dos filmes apresentarem distopias baseadas em ditaduras e monarquias, e não democracias, o  austriaco fala de “chamar a atenção para perigos imagináveis“, dando o exemplo de utopias belissimas, como a de Cristo, “Ama o teu próximo como a ti mesmo“, ou do Comunismo, “dar igualdade de oportunidades e direitos para todos“, que resultaram nas Cruzadas e no terror de Estaline, respetivamente.

A liberdade da arte e o movimento #MeToo

Instado a comentar o movimento #MeToo, Haneke começa logo por dizer para não lhe pedirem para falar do tema, mas lá fala: “Claro que acho que qualquer forma de violação ou coerção é punível (…) Mas esta histeria prejudicial, que se está a espalhar agora, acho absolutamente desgastante (…) o que me incomoda no debate atual é a maldade totalmente irrefletida, a raiva cega que não é baseada em factos  (…) e destrói a vida de pessoas cujo crime não foi comprovado em muitos casos”.

Dando graças a Deus porque nunca teve de enfretar alegações semelhantes, Haneke diz que tem a “reputação de às vezes ser difícil com os membros da equipa de filmagens, algo que nem sempre pode ser evitado no processo de produção artística (…) Venho da família de um ator e estou convencido de que os atores só podem se desenvolver artisticamente num ambiente agradável.

Finalmente, e quanto à liberdade da arte, o realizador fala de uma petição online que chegou recentemente a uma exposição num museu americano devido a um trabalho de Balthus mostrar uma jovem numa pose ambígua. “Balthus é um dos pintores mais importantes do século XX, e essa ação é simplesmente grotesca. “O filme de Oshima “Império dos Sentidos” [a imagem acima] – certamente um dos mais profundos sobre o tema da sexualidade – não poderia ser filmado hoje porque as instituições de financiamento não permitiriam isso (..) Os atores suspeitos são cortados de filmes e séries para não se perderem espectadores.  (…) Onde vivemos? Na nova Idade Média? A caça às bruxas deve ser deixada na Idade Média.

Haneke termina a entrevista com uma afirmação: “Posso imaginar o que vamos ler na internet após esta entrevista: Haneke, o porco chauvinista.