Quinta-feira, 28 Março

Berlinale: não há filme como o português

Portugal mostrou-se bem representado com a estreia mundial do regresso à longa metragem de Teresa Villaverde (6 anos após Cisne), Colo. É o filme mais maturo da seleção competitiva, até agora. Aquele que pede maior sensibilidade por parte dos espetadores e, talvez por isso, aquele que lhes mais dá em troca, se estiverem dispostos a esperar por isso.

Uma família afetada cruelmente pela crise económica procura fazer o seu dia a dia. A filha precisa de dinheiro para o passe, o pai está desempregado e a mãe sente cada vez mais a desintegração do casamento. Enquanto isso, uma adolescente engravida, querendo trazer o filho para um país sem esperanças. No meio de tudo, o canto de um pequeno canário, única fonte de consolação.

É um trabalho magnífico, de luz (a cargo do imbatível diretor de fotografia Acácio d’Almeida), cor e ritmo, onde a riqueza (que termo mais hediondo para se usar num filme cujo tema é justamente o oposto) das cenas nasce da contemplação e assimilação de cada elemento que constitui o plano, cada fonte de luminosidade criadora da ilusão de uma prisão cujas paredes gradualmente apertam, cada picado que nos expõe as personagens como moribundos numa procura lenta pelo consolo que lhes falta, cada gesto que se anuncia como um ato de resistência ao oblívio. É mise-en-scène no seu estado puro e não há filme como ele nesta edição do Festival de Berlim.

Encontrámo-nos com a cineasta e parte do elenco na conferência de imprensa, aquele onde do palco praticamente só se ouviu a nossa língua mãe. Perguntámos-lhe pelo significado do título, ao qual Villaverde respondeu que se mostrou reticente em traduzir porque “para os portugueses pode significar muitas coisas e quis manter esse mistério“. Falámos-lhe de que este não é o primeiro filme sobre a crise económica em Portugal, mas que é o primeiro que não tem qualquer referência política. Justificou-se dizendo: “É mais do que uma crise económica. É uma crise de família. Há pouco tempo, falta de comunicação, quase que não se conhecem. É muito maior que isso.“.

Fizemos a pergunta fulcral e que paira sobre os rostos de cada pessoa a trabalhar no cinema português, a da polémica do júri do ICA e da carta que circula para garantir estabilidade ao financiamento do cinema autoral em Portugal. “Ciclicamente temos este problema, mas conseguimos resolvê-lo. Espero que agora também.“. E aproveitou a ocasião para agradecer “ao número enorme de pessoas que assinaram a carta a pedido dos produtores portugueses.” Finalmente, a pedido de uma jornalista estrangeira, disse que “a situação de desemprego no nosso país é uma questão importantíssima porque os jovens têm muitas dificuldades em encontrar trabalho e que há a mesma taxa de emigração que na década de 60“. Um manifesto político tão bravo como o filme que o precedeu.

Seguimos para Return to Montauk de Volker Schlöndorff (vencedor da Palma d’Ouro em ’79 por O Tambor), em torno de um escritor nostálgico que, prestes a lançar um novo romance sobre um amor falhado, volta para a região nova-iorquina com a musa que o inspirou. Um breve ensaio sobre as feridas do arrependimento que a memória só torna mais expostas. Não está, no entanto, ao nível mais criativo do cineasta alemão, já que a intimidade só é alcançada por grandes planos muito próximos das personagens e tudo o que é sentido, tem notoriamente de ser dito, ao invés de ser mostrado. Uma câmara feita objeto esclavagista do argumento e que não acaba por funcionar em favor dele, portanto.


Return to Montauk

E o dia concluiu-se com El Bar (fora de concurso), novo trabalho do realizador de culto Álex de la Iglesia, onde um grupo de habitantes de Madrid vê-se fechado no estabelecimento do título, ao mesmo tempo que é impedido de sair pela polícia por suspeita de quarentena, o que levará a um conflito inevitável entre as várias personalidades. Poderia ser outro REC, mas é errado, não são essas referências que apelam ao espanhol. Na conferência (e entrevista que nos concedeu) fala de Buñuel e d’O Anjo Exterminador, mas também de The Thing de Carpenter e de como, nesses filmes, é a partir do medo do desconhecido que se origina o Apocalipse (o filme, aliás, abunda em religiosidade, derivada do catolicismo do realizador). 


El Bar

E embora não se equipare a essas obras-primas do género, faz o possível para lhes prestar a devida homenagem, com bastante subtexto político e sem desvalorizar o humor negro que o torna um objeto mais interessante do que o que se esperaria.

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