Quinta-feira, 18 Abril

«Je Suis À Toi» (All Yours) por André Gonçalves

Uma das falhas mais graves de todas as edições do festival de cinema mais antigo de Lisboa para mim foi não ter conseguido comprar o brilhante Hors Les Murs, brilhante primeiro filme de David Lambert, e seguramente um dos meus filmes favoritos dos últimos anos. 

À segunda foi de vez, e é bom testemunhar o caminhar seguro de um cineasta claramente sem fronteiras neste Je Suis À Toi. Sem fronteiras de géneros cinematográficos e géneros sexuais, e já com a confiança e maturidade suficientes para tirar não um, mas dois coelhos da cartola – como se pode assistir nesta história de um argentino (um memorável Nahuel Pérez Biscayart) que se vende na webcam e consegue ter uma viagem e estadia pagas por um padeiro belga rechunchudo (um também excelente Jean-Michel Balthazar), que em troca exige o que um homem na sua situação pode exigir: amor e afeto. Mas esta é apenas a primeira parte da história, e o título da obra só será justificado mais adiante…   

Gerindo 2 ou 3 subfilmes com as mesmas personagens, à imagem do que já tinha acontecido com Hors Les Murs (potencial marca de autor aqui?), Lambert não perde ainda assim o foco do que pretende contar, e das personagens que escreveu e que segue agora tão bem com a sua câmara. Estes dois primeiros filmes são bem narrativos, sobretudo para o certame em questão, mas a história aqui segue puramente a vontade das personagens, e não o contrário. Há uma recusa aqui da heteronormatividade, mas também da homonormatividade das histórias clássicas LGBT: pesca “lugares comuns” de ambos os campos, baralha-os e lança-os em novas situações. Lambert é altamente bem sucedido nesta originalidade pós-moderna – sem necessidade de recorrer a artifícios artísticos explicados em notas de produção, mas sim readaptando moldes clássicos e transformando em novos paradigmas.   

Se um terceiro ato – o segundo coelho tirado da cartola – parecerá forçado para alguns, é executado com um controlo total que dá prazer ver, com uma fé cega nas personagens, e com um tratamento temático de uma subtileza de meter inveja a um outro filme em competição a lidar precisamente com o mesmo tema ao longo da sua interminável hora e meia… 

Um autêntico filme à margem de tudo o resto, que confirma de uma vez por todas uma das vozes mais originais nascidas em solo LGBT – para mim, a mais marcante desde o argentino Marco Berger (Plan B, Ausente). 

 

André Gonçalves @QueerLisboa19

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