Quinta-feira, 28 Março

«Call Me Marianna» por André Gonçalves

Para Marianna, transgénero masculino-para-feminino a viver na ainda conservadora Polónia, este é o filme da sua vida.

Para o espectador com o coração a bater e que aprecie bom cinema, este pode não chegar a tal palmarés, mas a mim pelo menos fez-me ganhar nova fé no género documentário enquanto formato cinematográfico.

Esqueça a narração, e esqueça o formato entrevista ala 60 Minutos ou Toda a Verdade. Não há cá artifícios básicos, autênticas muletas para tanta obra que continua a ser fabricada, sobre temas mais ou menos interessantes…

A única entrevista decorre de uma forma acertadíssima (para uma obra sobre sermos quem não somos ainda) em formato de ensaio para uma peça, onde a própria protagonista responde a perguntas de dois atores (prestes a interpretar a sua vida) na terceira pessoa. Atam-se assim as pontas necessárias para termos uma narrativa dinâmica, de frente para trás.

Se o parágrafo acima não convenceu, reforço: aqui há cinema. E a narradora invisível afinal está bem visível…atrás da câmara. Chama-se Karolina Bielowska, e na sessão de perguntas e respostas após a sessão pode esclarecer o que ficou de mais ambíguo: que conheceu Marianna num encontro para chá na altura em que esta enfrentava um processo legal contra os próprios pais, que a peça de teatro era puramente para o filme, e que as circunstâncias da vida ditaram o resto…

Para Marianna, a vida decidiu imitar a arte e arranjar uma reviravolta em jeito de mudança de ato. Bielowska decidiu continuar a seguir esta vida e não escndê-la do espectador – até a juntar a um dos locais onde se mostrou mais feliz no ecrã… Ganhou o filme pungência extra e um retrato completo sobre o complicado processo de transição de género. E ganha consequentemente o espectador que tem a felicidade de assistir a esta obra.

 

André Gonçalves @QueerLisboa19

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