Terça-feira, 16 Abril

«Degradé» por Fernando Vasquez

Gaza volta a ser o pano de fundo nesta obra que despoletou muitas criticas negativas durante a sua estreia na Semana da Critica em Cannes, e que agora começa um percurso pelo circuito internacional de festivais que se adivinha tímido. É pena que assim o seja, porque a primeira longa-metragem dos irmãos gémeos Rab e Tarzan Nasser, apesar de cair em estereótipos com demasiada frequência, não deixa de ser uma obra de importância significativa.

A história tem lugar em 2014, quando a mais recente invasão israelita deu origem a uma serie de conflitos internos que mais se assemelham a velhos ajustes de contas. Na realidade, a ocupação israelita praticamente não está presente na película, sendo apensas referenciada esporadicamente. O conflito em questão é algo mais desconhecido do grande publico, a guerra urbana entre gangs locais e a autoridade do Hamas. Neste caso o conflito centra-se numa leoa do zoo de Gaza, roubada por gangs e reclamada pelo Hamas como forma de vincar o seu domínio na região.

Tudo isto faz pouco sentido para um grupo de 13 mulheres que se vêm bloqueadas dentro de um salão de beleza enquanto lá fora se desencadeia uma luta pela vida, tudo por causa de um felino exótico. Ao longo do cerco as mulheres vão se envolvendo em acesas discussões expondo, com pouca subtileza, as diferenças sociais, políticas e religiosas numa sociedade sob constante ameaça.

É verdade que por vezes as personagens são demasiadamente superficiais, soltando ideias mais que batidas sobre o Hamas e a legitimidade de um poder severo na cidade. Pior ainda, os ideais dos irmãos Nasser dificilmente poderiam estar mais claramente estampados ao longo do filme. No entanto seria um erro reduzir Degradé a um mero reflexo do que muitos árabes acreditam.

Apesar do cariz demagogo do filme,é de realçar que aos poucos e poucos, mesmo que acidentalmente, os irmãos Nasser oferecem uma visão detalhada do dia-a-dia do cidadão comum em Gaza. Por exemplo, os constantes cortes de eletricidade são motivo de grande amargura para as mulheres, seja para a russa proprietária do salão que se vê obrigada a batalhar diariamente por uma gotas de combustível que alimente o gerador de emergência, ou para uma viúva que não hesita em relembrar: “Cobrar valores exorbitantes pela eletricidade não se esquecem eles“.

Entre vários outros temas abordados pelas mulheres, talvez o sexo seja o mais surpreendente, já que se trata de uma raridade no cinema da região. Longe de ser um tema central, a obsessão pelo tema por parte de uma das personagens revela-se na realidade como um mecanismo de defesa, de ignorar a incessante violência de que é alvo na sua própria casa.

Sempre seguindo a mesma linha, infelizmente todos os temas acabam num denominador comum: o homem, o grande opressor. Os irmãos Nasser são incapazes de se colocar no papel da mulher de forma a apresentar uma imagem progressista, em que as personagens, apesar de todas as criticas, acabam aparentemente resignadas o seu papel de submissão ao homem.

A metáfora, também ela pouco subtil, do titulo do filme, que pretende contrapor as ideias de Degradé (estilo de penteado) e degrade (destruição progressiva), oferece talvez a mais interessante das visões dos irmãos Nasser. Para os autores, os conflitos internos são na realidade a maior ameaça para o desenvolvimento social da região, são uma forma de perpetuar papéis que garantem a permanência de um sistema e status quo, por mais frágil e ilusório que ele seja.

Degradé, que se propõem a ser uma comédia, falha redondamente em obrigar a audiência a gargalhadas, mas apesar de todas as suas limitações e desequilíbrios, que para muitos serão demasiados. consegue sugerir algumas ideias interessantes ao mesmo tempo que oferece um retrato curioso do dia-a-dia banal na faixa de Gaza.


Fernando Vasquez

Notícias