Sexta-feira, 29 Março

«Lo Escarabajo de Oro» por Roni Nunes

 

Os realizadores Alejo Moguillansky (argentino) e Fia-Stina Sandlund (sueca) deram asas à imaginação para corresponder ao carácter inusitado da origem do projeto: uma proposta do festival de cinema dinamarquês CPH-DOX de reunir dois cineastas de diferentes partes do mundo (o rico e o pobre, para usar palavras objetivas) para produzir uma obra com diferentes perspetivas.

O resultado é um mirabolante filme de caça ao tesouro (com o enigma central retirado do conto de Edgar Allan Poe que dá nome ao filme) misturado com história e filosofia onde colonialismo, política e feminismo aparecem destacados num difícil equilíbrio entre a comédia e o drama.

A usar de metalinguística e a desenvolver “uma história dentro da história”, Lo Escarabajo de Oro narra a aventura de uma equipa de filmagem de Buenos Aires que tem de produzir um filme, com fundos vindos da Suécia, sobre uma feminista do século XIX do país nórdico. Ocorre que um dos membros do staff encontrou um mapa que revela um tesouro jesuíta enterrado e, na ausência da corealizadora escandinava, eles decidem usar a filmagem como fachada para procurar o mesmo. Mas isto implica em ignorar a personagem da história sueca e desenterrar um esquecido político radical dos pampas.

Resulta insólito e interessante ver o filme da ótica proposta pelo CPH-DOX: o que interessa ao argentino é, notoriamente, um discurso sobre as mazelas do colonialismo e da dominação cultural, resultando particularmente feliz ao demonstrar que, quando se tem dinheiro e educação, pode-se contar e valorizar a própria história – a mesma que fica esquecida quando há pobreza e ignorância.

Por outro lado, a “vingança” feminista final que cabe a Sandlund é menos bem-sucedida, na medida em que não fica claro se ela está a gozar com o próprio discurso (ao reduzir os homens a palermas e estereótipos) ou, o que seria mais grave, estar a levar realmente a sério uma proposta anedótica que fala em “vitória final” das mulheres – fisicamente simbolizadas por uma fêmea masculinizada que carrega consigo… um machado!

Opções ideológicas à parte, o principal problema reside no facto dos envolvidos desconhecerem a palavra “elipse” e esticarem e repetirem diálogos de forma desnecessária. O excessivo naturalismo das imagens deixa, por sua vez, o filme refém de uma verdadeira indigência visual.

O melhor: no todo consegue dar conta de forma irreverente, de conjugar duas visões de mundo distintas
O pior: diálogos excessivos e repetitivos


Roni Nunes

 

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