Sexta-feira, 29 Março

«Mercuriales» por João Miranda

Em Paris, nas “Mercuriales”, duas mulheres conhecem-se e tornam-se amigas. Esta poderia ser a sinopse do filme de Virgil Vernier que partilha o nome das torres. Este insere-se naquele conjunto de filmes que mistura o conceito de documentário com documento, que tem a ideia que realismo são imagens paradas e longas, e que se recusa terminantemente a contemplar a noção de uma narrativa, não se arriscando, no entanto, muito para o campo do experimentalismo. Este é, então, mais um filme para os amigos.

Sem grande coerência, quer estilística, quer do próprio meio, Mercuriales vai tropeçando ao longo dos seus 108 minutos, arrastando-se pelos escombros de ideias e rasgando-se nos pedaços de narrativa mal-definidos que persistem, mesmo contra a vontade do realizador, em procurar alguma unidade. É um filme que poderá ser defendido num certo meio que se constrói pelos mesmos argumentos que o originaram, numa bolha que é óbvia para quem está fora dele. “O Rei vai nu” não parece suficiente aqui. Não há aqui qualquer realeza ou nudez, apenas uma canhestra construção social pelo meio do cinema.

Mas a verdadeira hipocrisia do realizador e da obra torna-se demasiado evidente quando vemos as suas protagonistas. Se há uma tentativa de ser documental ou de por em questão um urbanismo desumano, essa é posta em causa pela escolha de duas modelos. Há uma incapacidade de por em questão essa natureza estética do desumano e, ao mesmo tempo, uma fetichização da imagem e do belo. As cenas em que aparecem nuas ou quase, não trazem qualquer valor que não seja o do voyeurismo, não havendo nunca nenhum contraste entre essa beleza humana e a fealdade do betão. Mesmo a discussão em que um muçulmano tenta por em causa essa semi-nudez e em que uma das protagonistas (quase) consegue usá-la e defini-la como emancipadora é também desajeitada, introduzida à martelada e arrastada por demasiado tempo.

O Melhor: A relação entre as duas protagonistas, quase desenvolvida.
O Pior: A falta de imaginação e/ou de ambição.

 


João Miranda

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