Sexta-feira, 29 Março

«White Bird In a Blizzard» (Pássaro Branco) por André Gonçalves

Há algo de reconfortante no cinema de Gregg Araki, por muito desajustado que possa por vezes parecer, ou precisamente por esse desajuste e inconformismo ser o de um tio rebelde que adoramos visitar de tempos a tempos.

Não vale a pena enganar, no entanto: White Bird in a Blizzard é um filme independente até algo tradicional, com raízes mais próximas ao cinema vindo de Sundance que do “novo cinema queer” transgressor que o realizador recriou vezes sem conta. A história do desaparecimento de uma mãe (Eve) vai-se revelando acima de tudo uma história de passagem à idade adulta de Kat, a filha “abandonada”, metendo-se pelo meio o mistério do que poderá estar por detrás de tal desaparecimento.

Ainda assim, Araki é só igual a si mesmo, ao imprimir marcas constantes do seu trabalho: os monólogos internos, o uso de música alternativa entre as décadas de 80 e 90 (“dream pop”, “shoegaze” et al), o ambiente atmosférico e etéreo das imagens jogadas na perfeição com a música acima citada, e a maneira franca com que lida com o sexo, aqui concentrando-se sobretudo numa visão feminina. Todas as personagens masculinas sentem-se relegadas a um terceiro plano, encaradas como objetos de prazer e/ou de escárnio e/ou aparentemente inofensivas.

O fantasma da mãe de Eva Green, vista aqui sempre em “flashback“, é um trunfo inesperado, e Shailene Woodley é adequadamente carismática como já nos vem habituando, embora esta Kat não seja propriamente uma personagem que obrigue a grandes voos…

Podemos definir Gregg Araki em dois tempos: Mysterious Skin, a sua grande obra-prima, e a sua restante filmografia, cuja soma das partes é sempre maior que os filmes em si. Não, não vale mesmo a pena esperar a pedrada no charco que foi e sempre será Mysterious Skin, mas será também injusto negar o estranho conforto que este filme pode trazer, que pela soma das suas parcelas será certamente melhor que a maioria dos filmes mais festivaleiros…

O melhor: O estilo marcante de Gregg Araki, aqui em território mais “convencional”, mas ainda assim bem intacto.
O pior: O mistério revelado cedo demais para o espectador.


André Gonçalves

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