Quinta-feira, 28 Março

«O Vendedor de Passados» por Hugo Gomes

  

Livremente baseado num livro do escritor angolano José Eduardo Agualusa, O Vendedor de Passados vai ao encontro de Vicente (Lázaro Ramos), um homem perito em construir o passado a todos aqueles que ambicionam um novo presente. Esta sua “profissão”, cujo trabalho é altamente requisitado por um vasta gama de pessoas, funciona como uma espécie de refúgio de um homem confrontado numa extensa crise existencial. Crise que será acentuada com a vinda de uma nova cliente (Alinne Moraes), uma misteriosa mulher que pede a Vicente o improvável.

É evidente a identificação de todos os elementos da intriga no contexto social de Angola, onde a ação do romance literário decorre, aludindo a um país inserido numa intensa busca pelo seu próprio passado, mas ditado por uma crise identitária e por prolongadas conturbações étnicas. Com a transferência do enredo para o quotidiano brasileiro, todo esse simbolismo altera-se ou simplesmente perde-se pelo caminho, sobrando apenas mensagens subliminares e um humanismo que se concentra em explorar o protagonista, Vicente, o Homem sem Passado mas perito em concebe-los.

O Vendedor de Passados recorre constantemente aos desempenhos (novamente Lázaro Ramos a carregar o filme) para emanar toda a emocionalidade num panorama que se comporta como irónico e crítico, mas nunca transcendente. Lula Buarque de Hollanda tem ainda outra perturbação, o de concretizar uma fita visualmente prazenteira para o espetador, negando o existencialismo que os poderia afastar. Assim, temos uma obra leviana, regida por valores de produção dignos do selo que carrega – a Rede Globo – com demonstrações de pós-produção sofisticados ou, na pior das hipóteses, uma esterilização estética.

Pelo meio, o realizador, assim como a argumentista (Isabel Muniz), tentam incutir referências cinematográficas (de Nuovo Cinema Paradiso aos evidentes excertos de From Here to Eternity) como prazeres escondidos para cinéfilos equivocados, mesmo que estes marcos nada acrescentem à narrativa. O Vendedor de Passados é, em diversos sentidos, um filme burlão, prometendo mundos e fundos, mas dando-nos um catálogo. Somente um catálogo bonito e descritivo.

O melhor – Lázaro Ramos
O pior – a adaptação de um livro sobre contextos que não entram no panorama brasileiro


Hugo Gomes

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