Quinta-feira, 18 Abril

«Song of the Sea» (A Canção do Mar) por João Miranda

A mitologia da Irlanda é rica. Baseada nas lendas céltas e numa tradição oral que a igreja católica (ainda que muito influente) não conseguiu apagar. Em todo o lado inscreve no tecido da própria realidade a magia, encantamentos, criaturas fantásticas, fadas e bruxas. Song of the Sea pega nesta mitologia e constrói sobre ela uma história emocionante sobre perda e família. Ben perdeu a mãe muito cedo e tem alguma dificuldade em aceitar a sua irmã mais nova como algo mais do que um empecilho, mas alguns objetos que a sua mãe deixou e a curiosidade da sua irmã vão levá-lo numa viagem sobre a magia e as histórias folcóricas da Irlanda.

Com uma animação irrepreensível, Song of the Sea tem como base uma história bem construída e credível, que consegue ser emotiva sem cair no excesso e que nos envolve na preocupação pelo bem estar e sucesso da aventura dos dois irmãos. Com uma banda sonora bem desenvolvida, consegue definir temas e sublinhar emoções sem tentar forçá-los, e tendo em conta a importância que a música desempenha na história, Song of the Sea poderia facilmente ser um musical. Os temas visuais também têm uma coerência fornecida não só pela mitologia e influência dos vários itens históricos (que tanto associamos à Irlanda), mas também a nível da paleta de cores usada de forma inteligente e que, junto com a música, também vai reforçando certas emoções.

Se há um problema com o filme é concetual e não posso falar dele sem mencionar o fim. Este parágrafo contém spoilers que não deverão ser lidos por quem ainda não viu o filme e não quer saber como acaba. No final do filme a magia que os irmãos procuravam sempre recuperar no mundo (e descobriam a cada passo, mesmo que estivesse a desaparecer) abandona-o. Se o tom durante todo o filme é nostálgico, com a ameaça constante do desencantamento do mundo ameaçado pela recusa de lidar com sentimentos, é estranho que o filme acabe por seguir pelo mesmo caminho. Pode mesmo argumentar-se que o filme faz o contrário das histórias em que se baseia: estas criam uma magia que entrelaçam com a realidade, o filme destrinça esta magia do mundo e remete-a unicamente às histórias. Parece ser um movimento inesperado para um filme que está cheio de magia: recusá-la à realidade.

O Melhor: A animação, a música.
O Pior: A resolução do filme.


João Miranda

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