Quinta-feira, 28 Março

«ManIslam – Islam and Masculinity» por Jorge Pereira

Seis anos depois de iniciar uma jornada sobre a forma como o Islão se comporta com as questões do género, a cineasta turca-norueguesa Nefise Özkal Lorentzen apresenta ManIslam – Islam and Masculinity. Se Gender Me (2008) se focava na questão da homossexualidade e o Islão e A Balloon for Allah (2011) no papel da mulher no mundo muçulmano, ManIslam – Islam and Masculinity cerca os homens islâmicos como o principal alvo, mas em vez de mostrar as ideias mais fundamentalistas e os seus interlocutores, opta-se antes por dar voz àqueles que preferem contradizer as ideias mais tradicionais e que se revelam a favor de uma verdadeira reforma do Islão.

Nisto embarcamos em quatro histórias, separadas por sequências de animação com uma narração poética e espiritual. Assim, conhecemos: Imitiaz Pavel, um homem entre o Paquistão e o Bangladesh que viaja de aldeia em aldeia e ensina a respeitar ambos os géneros de igual forma; Syaldi Sahude, um ex-machista Indonésio que agora criou um grupo feminista e que desesperadamente – de mini-saia colocada – procura desmistificar a ideia que existem violações porque há desejo e «oportunidade»; Naif al-Mutawa, um criativo cartoonista do Kuwait que, inspirado nos 99 nomes de Alá e nas histórias do Alcorão, cria bandas-desenhadas sobre virtuosos super-heróis; e, finalmente, o teólogo e ativista İhsan Eliaçık, o rosto por trás de um movimento muçulmano anti-capitalista e sem sombra de dúvidas uma das mais carismáticas figuras do pensamento moderno na Turquia.

Todos estes são tratados como uma espécie de super-heróis devido às contrariedades e fundamentalismos com que têm de lidar diariamente e a cineasta esforça-se para lhes dar o mérito que tanto merecem, até porque para ela eles representam verdadeiramente o Islão, o mesmo que a própria diz que foi sequestrado pelos fundamentalistas – os quais até confronta em algumas situações, como na Indonésia, onde um líder religioso crê que muitas das violações ocorridas no território são por «culpa» das mulheres, que criam oportunidades para que isso aconteça (usam mini-saia, andam sozinhas à noite na rua, etc.).

A verdade é que – fora estas visões retrógradas – é profundamente entusiasmante ouvir as opiniões dos quatro homens visados sobre a democracia, a liberdade, a religião, a educação, o casamento infantil, a violência contra as mulheres, a sexualidade e mesmo o fardo que é ser um homem numa sociedade patriarcal e extremamente emotiva. Eles são o grande foco do documentário e a razão pela qual o filme triunfa, até porque Lorentzen revela-se tão submersa emocionalmente no assunto que muitas vezes denota-se um maniqueísmo editorial e até algumas generalizações contraproducentes.


Jorge Pereira

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