Sexta-feira, 29 Março

«El botón de nácar» por Fernando Vasquez

Há muito que é sabido que a ditadura Chilena guarda segredos profundamente perturbadores por entre o silêncio que teima a temperar a História. Mas para Patrício Guzman, um dos mais celebrados cineastas Chilenos dos últimos anos, a onda de terror começou bem antes da entrada em cena de Augusto Pinochet.

No seu mais recente trabalho, o único documentário em competição este ano em Berlim, Guzman decidiu virar a sua lente para os segredos escondidos na longa costa chilena, testemunha silenciosa de muitos desses massacres que marcaram gerações e ainda hoje desempenham um papel central nas relações sociais e raciais no Chile.

Começando pelo extermínio de indígenas nómadas do sul do continente, até as vítimas de tortura e assassinato da junta militar, Guzman tenta associar o que aparentemente é impossível conetar.

Empregando um discurso que vai divagando entre o poético e o pedagógico, o cineasta atravessa um exercício deveras arriscado: o de associar momentos distintos e inquestionavelmente diferenciados pelo contexto do tempo. Apesar da coragem e genuinidade, o resultado dificilmente podia ser mais insuficiente.

As várias entrevistas com sobreviventes e descendentes, algumas delas profundamente tocantes, acrescentam algum peso necessário à teoria que o cineasta insiste, por vezes a todo o custo, partilhar. O mesmo se pode dizer em relação a muitos dos truques visuais, que variam entre imagens de satélite e fotografias de arquivo, que ilustram adequadamente a narrativa.

Mas existem demasiadas falhas para tornar El botón de nácar na obra sólida e obrigatória que pretende ser. Em primeiro lugar o formato da narração, que em diversos momentos mais parece uma lição académica de história, nunca se encontra com o tom poético que Guzman, e alguns dos entrevistados, procuram cumprir, tornando o filme, até certo ponto, desequilibrado. Pior ainda, em grande parte impera um tom moralista e manipulador que apenas funciona como uma distração indesejada, separando-nos dos factos, que por si só são detentores de um enorme poder, com demasiada facilidade e regularidade.

Estes e outros pontos são no entanto pálidos quando comparados com o salto rocambolesco no qual Guzman insiste ao associar fenómenos históricos distintos. É pena que Guzman tenha escolhido este processo, já que El botón de nácar não só revela histórias que poucos conhecem, mas deviam conhecer, como também a nível estético tem muito de deslumbrante.


Fernando Vasquez
(Crítica originalmente escrita em fevereiro de 2015)

Notícias