Sexta-feira, 29 Março

«Queen of the Desert» (Rainha do Deserto) por Paulo Portugal

 

James Franco, Robert Pattinson e Damien Lewis como súbditos de Sua Majestade a Rainha Vitória, em pleno alvor da Primeira Guerra Mundial? Todos eles como alvos amorosos de Gertrude Bell, a aventureira e exploradora que terá feito ainda mais pela união das tribos árabes e no desenho político do que é hoje o Médio Oriente. Tal risco deveria ter sido equacionado antes do alemão Werner Herzog avançar para a produção de Queen of the Desert, com o imenso potencial de uma história verídica. Apesar da boa vontade de encarar Nicole Kidman com 24 anos no papel desta versão feminina de Lawrence da Arabia, não será por falta da entrega dela que o filme soçobra. O problema insolúvel são os erros de palmatória deste monumental “miscast“, bem como um apressado trabalho de mise-en-scène e o estilo deste realizador tão calhado pelo trabalho de documentarista. Foi pena, pois qualquer comparação com O Paciente Inglês ou mesmo com o clássico de David Lean não passarão de desejáveis, ainda que improváveis, semelhanças.

Há alguns anos, precisamente em 2010, durante uma entrevista a Werner Herzog, na promoção do filme My Son, My Son, What Have You Done?, no festival de Veneza, recordo o realizador alemão dizer que iria enveredar por aquilo que dizia ser um “cinema de guerrilha”, em que o objetivo seria filmar rápido e com poucos meios e incluir um ou nomes fortes para facilitar a produção e atrair a curiosidade do público. Um tipo de cinema que queria mesmo transmitir aos seus alunos na universidade. Naturalmente, quando vimos a descrição de Queen of the Desert ficou a sensação de que este seria um exemplo acabado, eventualmente apurado, das suas intenções. Após a sessão de imprensa no festival de Berlim, percebemos que o alemão que divide morada entre Munique e Los Angeles evoluiu para um modelo bem diferente. Apostou forte num elenco de estrelas, seguramente, capaz de garantir os valores necessários de uma produção generosa e consequentemente de atrair uma boa dose de curiosidade para a estreia.

O problema que o sucesso de um filme não deverá ser movido por equações desse tipo. É por isso que Queen of the Desert deixa de ser o filme que poderia ter sido, já que se afirma muito mais como um novelo de ligações românticas que uma odisseia de contornos geopolíticos. Tudo começa com o xadrez político da divisão dos despojos do império Otomano e o aborrecimento de uma jovem caprichosa cujo pai diplomata acaba por decidir colocar debaixo da alçada de um diplomata em Teerão, na altura uma das praças do Império Britânico. E ai que conhece Henry Cadogan, num risível James Franco no papel do terceiro secretário do embaixador com uma invejável veia poética. Entre a sua gesta de estabelecer laços improváveis entre os beduínos, Bell não deixa de ser cortejada por um T.E. Lawrence “himself”, numa confrangedora prestação de Pattinson, que nos faz até sentir pena dele quando Bell exclama com desdém “what’s a school boy like you doing in a place like this?.” Finalmente, no romance com o oficial do exército britânico, Charles Doughty-Wylie, com o perfil que conhecemos de Damien Lweis, o protagonista da série Homeland, o envolvimento é tão sensaborão.

Depois do espalhanço com Nobody Wants the Night, o filme de abertura, temos uma nova gesta aventureira no feminino que merecia (tal como o outro) um melhor destino. Neste caso, apesar de ser menos entediante, tem a responsabilidade acrescida de um nome como Herzog no comando das operações. Salva-se a destemida Nicole, pois dificilmente se deixa apanhar com uma bera representação, mesmo quando os filmes são maus, como sucedeu no ano passado com a abertura em Cannes, com Grace do Monaco. Ela que nem teve pejo em acrescentar ao filme uma cena em que se banha no deserto, numa inesperada sequência de algum recorte erótico que deixa a milhas qualquer um dos casos amorosos do filme.

O Melhor: Nicole Kidman faz o que pode num filme feito à medida das suas heroínas.
O Pior: A escolha desajustada de um trio de atores para relações afetivas que nunca chegam a convencer-nos


Paulo Portugal

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