Terça-feira, 16 Abril

«Taxi» por Paulo Portugal

Apesar de mais uma vez estar impedido de acompanhar o seu filme em festivais de cinema, Jafar Panahi não foi impedido de sair de casa. E o resultado é Taxi, um curioso (e bem divertido!) filme, exibido em competição, e que mereceu o aplauso geral no final da sessão de imprensa matinal. O realizador de 55 anos tem agora as mãos ocupadas ao volante de um taxi transportando passageiros pelas ruas de Teerão. Captado em estilo documental, mas com a devida composição, Panahi aproveita para colocar na boca de outros algumas opiniões que ele próprio está impedido de veicular. Surpreende, e agrada, a escolha de um estilo ligeiro, rente à comédia, onde ainda assim fica patente o seu protesto pela ausência de liberdade.

Um passageiro defende o seu direito de enganar outros, ao passo que uma professora se insurge contra a aplicação da pena de morte; mais adiante, um homem acidentado pede um telemóvel para gravar em vídeo o testamento em que insiste, contra a lei, deixar tudo à sua mulher, ou um vendedor de DVDs piratas reconhece-o e recorda-lhe mesmo que costumava frequentar a sua casa para lhe levar filmes para o filho. Jafar Panahi é um verdadeiro ‘taxi driver’ que acaba mesmo por ser o protagonista deste filme realizado com uma câmara instalada no tablier do táxi. Tal como Travis Bickle, parte da vida da sua cidade atravessa a porta do táxi. Só que Panahi adota um registo bem mais ligeiro daquele que celebrou Scorsese. Ainda assim, Pahani não esquece o cinema ocidental na paródia em que o ‘pirata’ recorda o envio de Meia Noite em Paris, de Woody Allen.

Mesmo sem qualquer influência de Woody Allen, Panahi oferece um cinema descomprometido, onde o tom de ligeireza não se escusa a colocar o dedo na ferida aberta. Até ao final em que um larápio se infiltra no táxi e lhe danifica o material. E se dúvidas houvessem sobre a sua intenção, na sua declaração lê-se: “Sou um realizador, e apenas filmes posso fazer. O cinema é o meu meio de expressão e onde retiro significado para a minha vida. Ninguém me pode impedir de fazer filmes“. Mesmo que não venha a ganhar o Urso de Ouro, a sua presença, e o aplauso concedido pela imprensa, serve de reconhecimento do seu trabalho e, esperemos, num possível abrandamento nas leis sobre aquilo que chamam o “realismo sórdido”, leia-se, o cinema de denúncia.

Cauteloso, deixa espaço à pergunta da sobrinha que deseja fazer um “filme que possa ser distribuído”. Por isso questiona o que lhe falta – um tema. Ele acaba por responder-lhe: “essa é uma resposta que ninguém te dará. Terás de encontrar por ti própria“. Pelos vistos Panahi encontrou o seu caminho. Mesmo se passe por histórias de outros a bordo de um táxi.


Paulo Portugal
(Crítica originalmente escrito em fevereiro de 2015)

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