Till Kleinert transformou o seu “Der Samurai” (“O Samurai”) numa variação aos contos dos irmãos Grimm, o regresso da floresta negra como magnetismo do infortúnio e a figura do lobo como um ser originalmente demoníaco, acompanhado por desenganos e de falsas juras. Mas o tratamento recebido destes elementos fabulistas tem muito menos de fantástico e mais de intimista. A floresta, esse poço de mau agoiro, é metaforicamente servido como um um “armário” interior, um canto remoto da perversão e da mais negra fantasia, onde reside um “monstro” que anseia ser libertado. Por outras palavras, a ideia intrínseca da Caixa de Pandora.

Sendo evidentes a natureza desses monstros e muito mais dessas vítimas, o jovem cineasta tem a capacidade de direcionar o olhar do espectador para os locais certos e, até certa altura, esconder os seus verdadeiros propósitos em prol de uma fachada, que se dá pelo nome de alusão. É no fundo o revisitar da história do caçador e do “lobo-mau“, onde a perseguição é distorcida em toda a sua jornada. Mas quem na verdade é a besta e quem é o homem será decidido nesta corrida macabra pelo tempo. Kleinert incute o estilismo gráfico evidenciando mais essa referida aura fabulista e aposta, sobretudo, na figura antagonista interpretada por Pit Bukowski, que para o espectador mais atento é uma fusão de referências, quer cinematográficas, quer sociais. Trata-se de um “Ed Gein”, um trasvestido personagem saído quer do negro imaginário de Thomas Harris, quer do signo cinematográfico de Tarantino ou Jarmusch. “Did you like what you see?” – frase proferida pelo personagem e arrancada diretamente de “The Silence of the Lambs” é um dos fatores confirmantes dessa dita hibridez de menções.

O nosso “herói” (Michel Diercks) é um confrangido homem que luta por uma posição na sua comunidade. Porém, é evadido pelas mais negras fantasias. Visto assim como o caçador desta fábula concentrada, “Der Samurai” elabora um jogo de químicas, a empatia entre o assassino e o nosso protagonista, confrontados algures entre uma batalha psicológica e gráfica. O grande clímax dá-se com a dança dos torturados, a libertação de uma prisão consequencial, dando seguimento ao estilismo quase metafórico das imagens transmitidas por Kleinert. A licantropia, a diferença individual é vista aqui como alegorica homossexualidade, o ultimo reduto da besta e da consagração do herói determinado a enfrentar os seus medos mais pessoais através da ira da catana.

Der Samurai” funciona assim como um exercício de estilo, uma “mordida” voraz no cinema fantástico alemão, ao mesmo tempo adquirindo-se numa representação imaginária, quer intimista e até social, de um país confrontado com os seus medos mais primitivos, ou no ponto vista mais pessoal, o hino à emancipação de espírito. Uma experiência surrealmente sedutora.