Quinta-feira, 28 Março

«A Blast» (I ekrixi) por Jorge Pereira

No próximo filme de Yorgos Lanthimos, The Lobster, Angeliki Papoulia (Canino, Alpes) desempenha – segundo a IMDB – o papel de uma «mulher sem coração». Curiosamente, e neste A Blast (I ekrixi), coração e sentimentos é o que não lhe faltam, embora na verdade a sua personagem os perca à medida que a narrativa evolui.

Segunda longa metragem do cineasta grego Syllas Tzoumerkas, que já tinha dado nas vistas em 2010 com Hora proelefsis, I ekrixi acompanha em diferentes níveis o estado emocional de Maria, uma jovem de classe média grega que entra para a universidade de direito mas que, pelo caminho, é obrigada a deixar os estudos – quer para tomar conta dos negócios da família, cada vez mais perto da ruína, quer para tomar conta dos filhos, que entretanto teve com Yannis, um marinheiro que passa mais tempo no mar do que em terra.

Como quase todo o cinema grego pós crise financeira, A Blast vai contando uma história pessoal que paralelamente serve também como alegoria ao estado da nação grega, embrulhada num intenso jogo de mentiras, uma austeridade bárbara, um desemprego fulminante, uma insolvência generalizada das empresas que compõem o tecido da sua economia, e um despertar de todo o tipo de radicalismos (sejam estes ideológicos, sejam estes meramente emocionais). A evolução da própria Maria, de ingenuamente louca e apaixonada (e apaixonante) em racionalmente radical e desprovida de sensações ou empatia, caracteriza igualmente o sentimento geral de uma população, cada vez mais alienada e, pior, sem esperança que as coisas melhorem. O mesmo acontece com a sua família, um retrato sujo e negro, onde não falta uma matriarca que esconde os problemas financeiros (e enterra-se mais num buraco financeiro), um patriarca amorfo e sem opinião e um genro com ideologias próximas da Aurora Dourada. Na verdade, as falsas aparências e a mentira compulsiva (ou banalizada) assombram todas as personagens, com destaque para Yannis, o “apaixonante” marido de Maria que vive uma completa vida dupla, embora repita que, aconteça o que que acontecer, a vai amar para sempre.

Em suma, A Blast é mais um retrato desapaixonado da Grécia, munindo-se de personagens longe dos clichés para, em diversas camadas, abordar situações globais e pessoais muito próximas na sua orgânica.

Destaque para o último terço do filme, que é tão gelado e duro de assistir como poucos filmes o conseguem, havendo especial mérito para mais uma interpretação memorável dessa força da natureza que se chama Angeliki Papoulia. A não perder…

O Melhor: A disparidade do início (um romance apaixonante) e o final (um drama angustiante)
O Pior: Nada a apontar


Jorge Pereira

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