Quinta-feira, 28 Março

«A Corner of Heaven» (Tiantang Jiaoluo) por Hugo Gomes

Na sua teoria, o enredo de A Corner of Heaven é o seguinte: um garoto de 13 anos é abalado pelo desaparecimento repentino da sua progenitora. Algum tempo mais tarde, recebe uma carta sobre o seu paradeiro, lançando-se numa jornada por uma China desoladora em busca da mãe. A meio do caminho, “tropeça” num covil de “meninos-perdidos” (algo quase dilacerado da imaginação de J. M. Barrie) que tentam emancipar-se do mundo dos adultos.

Depois da teoria, seguimos agora para a prática! Tudo aquilo que fora contado acima não chega sequer para preencher uma hora e meia de longa-metragem. Aliás, isso não parece ser problema para Miaoyan Zhang, cuja resolução encontrada está na inserção de “longuíssimos” planos-sequência que nos remetem à transformação da China. Trata-se de mais uma evidência de que a nova geração de cineastas chineses adquiriu um sintoma que tão depressa não consegue largar: o invocar o chamado novo realismo, o manusear do tempo para contrariar o formalismo desse realismo, talvez influenciados pelo cada vez prestigiado Wang Bing. O tempo, esse, é aqui jogado e concentrado, mas o que se nota é a inutilidade dos planos para a narrativa e o desperdício do enredo, que na sua teoria funcionaria em mais um “coming-of-age“. A demanda desta criança em busca da sua infância perdida ou da afeição de que nunca fora alvo, está longe de admirar, até mesmo a técnica utilizada encontra-se a léguas de impressionar.

Ou seja, A Corner of Heaven (titulo traduzido à letra como Um Canto do Paraíso) é um revisitar ao estilo já visto e revisto, sem com isso tenha nada de novo a salientar, tornando a fotografia, um preto-e-branco detentor de uma certa beleza, em algo banalizado e pouco concreto. Nada de novo nem de relevante aqui. Se isto é o Paraíso, mais vale residir no Inferno.

O melhor – A fotografia
O pior – a narrativa, a persistência das influências do novo realismo e o desperdícios de planos e enredo


Hugo Gomes

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