Quarta-feira, 24 Abril

«Matterhorn» por Hugo Gomes

Em Matterhorn, somos apresentados a Fred (Ton Kas), um viúvo que vive regido ao seu quotidiano limitado que inclui as idas religiosas à igreja local durante o domingo. Porém, este ciclo vicioso no qual o protagonista está inserido é dilacerado com a vinda de Theo (René van ‘t Hof), um sujeito bastante peculiar. Obviamente, é com a singularidade deste que Fred voltará a reconciliar com a vida desperdiçada ou lamentada pela tragédia. Cntudo, esta estranha amizade não é vista com bons olhos pelos habitantes do vilarejo.

Uma comédia dramática sobre a libertação pessoal que faz uso de uma linguagem visual perceptivel, como é evidente nas primeiras sequências do filme para facultar as informações necessárias envolto do personagem principal. Ao invés de recorrer à preguiça do dialogo forçado, da narração voz-off ou até mesmo do flashback, é a imagem, os gestos e o ambiente que providenciam o manual de composição da mesma. Matterhorn é, assim, uma obra de contornos enraizados do cinema europeu profundo, ostentando um sutil humor que não nos “rasga” superficialmente mas nos deixa emaranhando por toda a narrativa e onde a emoção é surpreendentemente libertada com toda a pujança no ultimo ato, ao som de This is my Life, como fosse um puzzle narrativo por fim concluído.

Mas o mais curioso no filme de Diederik Ebbinge é o facto de apresentar a referida libertação e a intima redenção com o passado e as “emoções esquecidas” na emancipação dos vícios religiosos. Por outras palavras, é a brisa desafiante e oposta à velha formula do descrente que se torna feliz em “redescobrir Deus”. Neste caso, é o devoto quase beato que encontra ele próprio a renegação de algo divino e superior. Talvez derivado à cultura holandesa, que já há séculos vem se libertando de dependências religiosas e construindo a sua sociedade laica e progressiva. Um pequeno pormenor que poderá distinguir Matterhorn dos imensos produtos que nos são apresentados todos os anos, nomeadamente o abrotar do cinema cristão que remete ao espectador a sua palavra de convicção religiosa como o único meio viável de superação.

Enfim, a verdade é que toda esta jornada de redescoberta nos levará mais próximo de Deus do que nos pensávamos. Pelo menos é aquilo que a personagem de Ton Kas a certa altura refere a montanha suíça Matterhorn de “o local mais próximo de Deus”. A montanha essa que nos levará ao pico da nossa inerente isenção.

O melhor – a distorção da formula, a linguagem visual que substitui a preguiça do mainstream e o acto final
O pior – O mistério dos seus personagens poderá ser confundido como vazio para muitos especatdores


Hugo Gomes

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