Sábado, 20 Abril

«Melbourne» por Jorge Pereira

A incapacidade de um casal em assumir as responsabilidades e de se refugiar numa nuvem (bem negra) de mentiras é um dos grandes focos de Melbourne, um filme do cineasta iraniano Nima Javidi, que apesar de ter uma longa carreira no reino das curtas metragens (Marathon Paralyzed Champion, A Call For O , The Poor Earth, Changeable Weather, Crack, Catnap) e nos documentários (Person, An Ending To An Ancient Profession) estreia-se aqui nas longas-metragens de ficção.

Um jovem casal, Amir e Sara, está prestes mudar-se para Melbourne, na Austrália, para começarem uma nova vida. O dia da partida chegou finalmente, mas a azáfama natural leva a que estes sejam confrontados com um fluxo constante de amigos e parentes que retardam os seus preparativos. É entre corridas contra o tempo, distrações e outros desastres que ocorre uma tragédia. Tanto Amir como Sara ficam absolutamente atordoados pelo evento (o espectador também) e, não sabendo bem lidar com a situação, vão começando aos poucos e poucos com pequenas mentiras, até ao ponto em que mesmo voltando atrás e contado toda a verdade, dificilmente alguém acreditaria neles. Estarão os seus planos de viagem estragados?

Apesar de  Melbourne ser um filme que funciona na sua plenitude em cinema, é inegável o seu tom teatral: a ação decorre quase exclusivamente num apartamento (só no final “andamos” pela rua), tudo acontece praticamente em tempo real e a maioria das cenas são compostas por diálogos entre duas personagens.

É inegável que Javidi encontrou no cinema de Asghar Farhadi não só um dos protagonistas desta história, Peyman Moaadi (Uma Separação), mas também a inspiração e influência. E embora ainda esteja longe de atingir a complexidade que Farhadi consegue extrair das suas personagens e da moralidade destas, o realizador e argumentista coloca em campo alguns dilemas e outros tantos egoismos que podem muito bem representar, não só estas personagens per se, mas a forma como o mundo de hoje funciona.

Claro que, tendo em conta os eventos (que oculto propositadamente), praticamente todos os espectadores irão criticar as opções do casal perante a situação. Porém, é  também certo que em determinado momento sentimos que já se foi longe demais nas mentiras e que voltar atrás e sair incólume seria muito difícil, ou mesmo impossível.

Com boas interpretações, questões morais e um constante tremor miudinho que nos deixa em suspense com o que vai acontecer a seguir, Melbourne acaba por triunfar e revelar um cineasta com enorme potencial, ainda que seja óbvio que falta-lhe uma maior clareza para blindar um guião (com momentos pouco credíveis).

O Melhor: O soco no estômago que levamos no final
O Pior: No pânico, as pessoas agem de forma irracional. Ainda assim, certamente os espectadores vão criticar quase todas as opções do casal ao longo do filme


Jorge Pereira
(Crítica originalmente escrita em Novembro de 2014) 

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