Quinta-feira, 25 Abril

«Relatos Salvajes» (Relatos Selvagens) por Hugo Gomes

Diria inicialmente que estamos perante numa revelação e ao mesmo uma afirmação do cinema argentino na indústria cinematográfica. Relatos Selvagens (dirigido e escrito por Damían Szifrón) é um filme que compromete a condição do cinema mosaico como drama embutido e o explicita com uma comédia de fortes tons negros, ou como a certa altura foi comparado, um tributo latino à episódica narrativa emaranhada com influências de Woody Allen.

Este conjunto de seis histórias completamente diferentes, todas elas remetendo ao desespero e à natureza negra do ser humano em condições extremas (ou não tão extremas), abre com um segmento hilariante sob contornos de um particular cinema do cineasta espanhol Pedro Almodóvar (um dos produtores da fita). Esta introdução (intitulada de Pasternak) funciona como o segmento mais curto da obra e é marcado pelo burlesco cómico em função de uma sátira negra que funciona como um refrescante comité de boas-vindas para que o aí vem.

Depois seguem os temas: vingança, manipulação e conformismo, todos eles indiciados e entranhados e que constituem estes relatos selvagens, propriamente ditos. São situação do quotidiano que servem como absurdo para os enredos detidos por um olhar inteligente e astuto na sua crítica e evocação da caricatura. Entre esses tomos, destaca-se obviamente o quarto (Bombita) e o sexto, e último (Hasta que la Muerte nos Separe). O primeiro por possuir um tema tão comum que é “deliciosamente” transformado num pesadelo cómico, interpretado por Ricardo Darin; o último por exibir uma perícia e técnica de Szifrón por trás das câmaras, ao mesmo tempo que executa uma atmosfera pesada em termos psicológicos.

Obviamente, como grande parte das obras compostas por este tipo de dispositivo narrativo, o desequilíbrio entre as várias é evidente. Porém, no seu todo, Relatos Selvagens resulta numa comédia forte e sem desleixo algum no intelecto do espectador e provavelmente temos aqui o melhor exemplar do género do ano. A destacar ainda a banda sonora de Gustavo Santaolalla, em especial a música de abertura que invoca uma essência animalesca sob tons latinos, e na fotografia de Javier Julia, que contribui e muito na criação de uma atmosfera envolvente, nomeadamente na última e grandiosa parte.

Pois é. Como é tão divertido por vezes conhecer a face mais selvagem do ser humano.


Hugo Gomes

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