Sexta-feira, 29 Março

«The Kindergarten Teacher» por Jorge Pereira

Três anos depois de O Polícia, Nadav Lapid regressa ao cinema com uma nova longa metragem, a qual tem tanto de bizarro e intimista como de alegórico.

Nira (Sarit Larry), uma professora de um jardim-escola, descobre que um dos seus alunos, Yoav (Avi Shnaidman), de apenas cinco anos, é um verdadeiro prodígio da poesia, arte que a fascina e que a acompanha regulamente, embora tenha consciência da sua banalidade como escritora. Rapidamente esse fascínio pelo rapaz vira obsessão, tornando-se fulcral proteger a criança de um mundo que despreza as artes em relação ao resto e que provavelmente o vai tentar afastar do dom (o próprio pai do miúdo é um workaholic que despreza a poesia, vindo este gosto de um tio que já nem está muito tempo com ele).

Não é à toa que a certo momento neste filme, alguém diz que «nestes tempos, qualquer poema é um milagre». No caso de Yoav, a poesia sai-lhe como algo natural, fazendo dele quase uma espécie de profeta que poderia trazer novos tempos a uma sociedade a entrar na decadência inteletual. Aqui entra em campo o campo alegórico e a eterna lamentação da desvalorização da poesia na atualidade, como se fosse algo totalmente dispensável neste mundo cada vez mais apenas orientado para o crescimento económico: «se os poetas não vendem livros», então que se reeduquem e façam algo de produtivo, alguém também diz por aqui.

Obviamente que esta mensagem de Lapid é direcionada para o estado das coisas em Israel. Essa postura não é nova e tem-se sentido em diversos filmes do território, i.e., existe claramente um sentimento de conspurcação dos valores estabelecidos aquando da fundação do território (o brilhante Epilogue, de 2012, é um dos melhores exemplos disso) e um desencanto pelo rumo selvagem das coisas, que de certa maneira mataram o «sonho».

Se pensarmos bem, esta desvalorização ou rebaixamento das artes está generalizada no mundo ocidental, começando-se logo por não se saber distinguir arte de animação/entretenimento mercantilista, e achando que uma coisa implica a outra. Assim, esta é relegada para algo dispensável em relação aos factores produtivos reais (ou bens transacionáveis, como diria esta ordem mundial).

Mas voltando atrás, o filme é simultaneamente uma obra pessoal, pois acompanha a transformação quase cega de uma mulher nitidamente mecanizada nas suas relações quotidianas, seja com o marido, seja com outras pessoas. Quando ela pergunta ao esposo como estão os seus filhos – já adultos – é claramente um indício do seu afastamento terreno.

Por essas razões, The Kindergarten Teacher é uma obra que merece uma olhadela profunda, embora por vezes a forma como Navid Lapid usa a câmara e alguns clichés do cinema de autor distraiam o espectador e retirem à fita alguma força e encanto.

O Melhor. Intimista e ao mesmo tempo alegórico
O Pior: Clichés do cinema de autor fazem o filme perder alguma força


Jorge Pereira

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