Terça-feira, 23 Abril

«The Postman’s White Night» por Roni Nunes

O cineasta russo Andrei Konchalovsky tem uma longa carreira que inclui várias coproduções fora do seu país (O Círculo do Poder, Casa de Loucos) e até passagens pelo cinema de ação em Hollywood (Comboio em Fuga, Tango & Cash). Depois de uma malfadada fantasia natalícia, Nutcracker in 3D, em 2009, o realizador decidiu aterrar em paisagens mais seguras – nomeadamente uma aldeia do norte do seu país natal.

The Postman’s White Night parte daquela curiosidade de fundo antropológico que levou o luso Gonçalo Tocha a explorar a Ilha do Corvo num filme de três horas (É na Terra não É na Lua) – só aqui com uma obra que reaproxima Konchalovsky das escolas mais tradicionais da ficção do Leste europeu. E, diferente de Tocha, mais interessado em encontrar permanências, o russo busca mudanças – recolhendo as evidências do fim de uma era.

O protagonista é o carteiro local, Aleksey Tryapitsyn (a fazer dele próprio, como de resto todos os outros personagens), que percorre diariamente o seu itinerário profissional de barco, única forma de acesso às diversas localidades ao redor do grande lago da região. Quando, num dado momento, o motor do seu veículo é roubado, os moradores ficam sem receber correspondências e mercadorias.

No seu trajeto, ele vai entrando na vida dos seus solitários habitantes. Konchalovsky os aproxima do espectador com um formato curioso – alternando os diálogos com o carteiro com imagens dentro de suas casas filmados com enquadramentos inusitados (em ângulo alto, por exemplo) – como se eles fizessem parte de um reality show. A televisão, aliás, tem uma presença ostensiva, constituindo através dos seus programas de auditório o maior elo de ligação da população com o mundo externo – para além de, involuntariamente, assimilar esta remota comunidade a todas as outras do Ocidente (as da Ilha do Corvo no filme citado, por exemplo).

Tal como o realizador, Tryapitsyn  sabe viver num mundo caminhando para o seu fim, incluindo o da sua atividade – pois tem a noção que hoje as pessoas telefonam ou enviam e-mails em vez de cartas. Mas a simpatia evidente pelos aldeões, típica de um certo olhar urbano, culmina num final singular – onde um artifício narrativo e uma citação de Shakespeare parecem selar a redução deste mundo à insignificância. O filme peca pela falta de um real conflito que mobilize uma história – tornando-se, em alguns momentos, desinteressante.

O melhor: o próprio projeto em si, retratando a chegada da globalização aos confins da Rússia
O pior: em alguns momentos desinteressante pela falta de conflitos relevantes para empurrar a história 


Roni Nunes

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