Terça-feira, 16 Abril

«Pára-me de repente o Pensamento» por João Miranda

 

A vida num hospital psiquiátrico é complicada: não só as doenças têm custos pessoais muito grandes, mas também há ainda uma grande incompreensão sobre estas. Querer filmar estas pessoas pode ser algo muito complicado, levantando alguns problemas éticos sobre a privacidade e a dignidade das pessoas representadas. Jorge Pelicano consegue, em Pára-me de repente o Pensamento, mostrar a humanidade e o quotidiano destas pessoas que, afligidas de doenças psiquiátricas, nem sempre são assim representadas no Cinema, sem cair em estereótipos e evitando as cenas mais mediáticas (ficar louco é sempre mais fácil de representar por imagens do que o processo de cura, veja-se A Beautiful Mind – Uma Mente Brilhante – ou Silver Linings Playbook – Guia Para um Final Feliz onde a recuperação é estranhamente rápida).

Se a psiquiatria foi posta em causa nos anos 60 por R. D. Laing e o movimento da Anti-Psiquiatria, em parte apoiados nas críticas às instituições dos Pós-Modernos e na desconfiança da autoridade por parte da contracultura, e se o a nova versão do DSM (manual de diagnóstico de doenças mentais), apresentada o ano passado, foi pouco consensual sobre algumas das suas definições, há um pragmatismo, baseado na indústria farmacêutica e nos cuidados básicos de vida, que faz com que instituições como o Centro Hospitalar Conde de Ferreira sejam necessários e, após várias reformas, façam um trabalho inestimável. Se alguns dos doentes não gostam da situação em que se encontram, outros reconhecem o cuidado com que são tratados e não se põem sequer a questão de ir embora. Num processo que deverá ter sido demorado, o realizador conseguiu ganhar a confiança de vários das pessoas nesta instituição e mostrar vários exemplos de como é vivida esta relação com a instituição, com a doença e com os outros.

Depois de um tal trabalho de inserção e de estabelecer uma base de confiança para com estas pessoas, é estranho que a meio do filme o realizador tenha sentido a necessidade de as abandonar e de se dedicar ao processo criativo de um ator que surge de fora para ajudar numa peça que estava a ser montada como forma de terapia e de comemoração do aniversário do hospital. Já escrevi esta crítica antes, o ano passado na edição do Indielisboa, a propósito do filme É o Amor (ler crítica), onde acontece o mesmo: uma comunidade começa a ser representada, apenas para o filme ser raptado pelo processo de um ator. Pareceu-me na altura incorreto para com o tema e as pessoas que estavam a ser representados e parece-me ainda mais agora. Se Pelicano consegue evitar as imagens de loucura mediática das pessoas que são doentes mentais, porque razão haveria de a procurar no trabalho de um ator que, pior que tudo, quando quiser se vai embora? A atitude do ator para com os pacientes é de uma condescendência que se torna irritante, representando para a câmera o “cool” que pensa ser, ao mesmo tempo que se deixa “maravilhar” pelo que lhe dizem, mas acabando por usar as pessoas de uma forma por vezes brutal e fazendo leituras demasiado literais do que lê e ouve. É repugnante. Mais uma vez, acabamos por ficar com um documentário incompleto sobre uma comunidade que merecia mais respeito e outro documentário demasiado óbvio sobre o ego dos atores.

O Melhor: A primeira parte.
O Pior: O raptar de um filme pelo ego de um ator.


João Miranda
(Crítica originalmente escrita em outubro de 2014)

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